27 agosto 2007

Raymundo Mazzei: situação em Ilhéus é profundamente lamentável

O jornalista Raymundo Mazzei é especialista em turismo e adquiriu larga experiência em anos de atuação na Bahiatursa. Esse currículo o habilitou, em fins de 2004, a ser convidado pelo então prefeito eleito Valderico Reis para comandar a Setur. Como tantos outros, Mazzei acreditou na proposta do empresário bem-sucedido, que enveredara pelo caminho da política. Um ano e meio depois, completamente desencantado com o governo e suas trapalhadas, exonerou-se do cargo e partiu para a África. Hoje, atua na agência de notícias do governo angolano e dá aulas no Centro de Formação de Jornalistas de Luanda. Do outro lado do mundo, ele acompanha pela internet a derrocada veloz do prefeito Valderico Reis e lamenta o estado a que Ilhéus chegou. Na opinião do ex-titular da Setur, os vereadores ilheenses devem ouvir a voz do povo, sob pena de terem de prestar contas à cidade e a Deus. Foi também pela internet que o jornalista nos concedeu essa entrevista, em que fala de trabalho, cultura, política e saudade.

PIMENTA - O que tem feito na África, amigo? Soubemos que você está desativando minas terrestres(risos).
MAZZEI -
Se, por um lado, estou trabalhando intensamente em benefício da minha família, por outro, considero meu trabalho na África, mais precisamente em Angola, uma verdadeira missão de vida. Meu trabalho principal é a modernização da agência de notícias do governo nacional, a Angola Press (Angop) - que possui um site e nós o estamos transformando num portal, prestador de serviços e amplamente informativo. Já treinamos 160 jornalistas da Angop e ainda vamos concluir esse trabalho.

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PIMENTA -
Você também tem desenvolvido um trabalho acadêmico?

MAZZEI -
Fui chamado a dar aulas no Centro de Formação de Jornalistas, onde tenho duas turmas de 50 alunos, nas disciplinas “Pragmática e Análise do Discurso” e “Comunicação Aplicada ao Marketing”, uma em cada semestre. E, ainda, presto assessoria de imprensa à estatal de telefonia móvel Movicel. Nas horas vagas – que são poucas – aproveito para ler, me comunicar com o Brasil e, mais raramente, visito algumas belas praias, vou ao cinema, a shows e compartilho refeições com amigos, brasileiros e africanos.

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PIMENTA - Como é trabalhar em um país cheio de seqüelas de uma longa guerra civil?
MAZZEI -
O país, destroçado por uma guerra de mais de 30 anos que acabou em 2002, está em franca recuperação, pois tem riquezas e determinação política para se reabilitar, garantindo a prestação de serviços básicos à população. A sociedade, também, ficou esgarçada no processo dos conflitos, com famílias diluídas, parentes desaparecidos e uma vasta carência de empregos. Tenho dado minha contribuição no processo de reconstrução, e dou meu testemunho de que ele está em andamento vigoroso.

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PIMENTA - Qual o seu sentimento por estar participando desse trabalho?

MAZZEI -
É muito estimulante e enriquecedor participar desse momento em Angola. Coordeno uma equipe de mais três especialistas baianos – um webdesigner e dois “feras” em tecnologias da informação. Tenho ensinado, mas também tenho aprendido bastante. Você sabe que sou espírita e isso agrega muito ao meu ânimo missionário.

PIMENTA - Qual foi sua maior dificuldade para se adaptar em Angola?

MAZZEI -
Creio que a maior dificuldade foi me acostumar com o “timing” dos angolanos. Se nós, baianos, somos chamados de preguiçosos pelos bunda-moles sulistas, aqui nós somos considerados verdadeiros foguetes no trabalho. Os prestadores de serviços não sabem o que é cumprir prazos e as reuniões sempre iniciam com atraso. Nós, chamados expatriados, lutamos pela pontualidade. Porém, existem outras dificuldades: praticamente tudo é importado e não tem abastecimento contínuo; o custo de vida é muito alto e dolarizado; existem poucos centros espíritas e os serviços públicos como abastecimento de água e luz ainda não se encontram estabilizados. Mas as pessoas são muito amáveis, compenetradas, trabalhadoras, apesar de sofridas. Há uma cultura musical e rítmica muito desenvolvida, escritores de grande qualidade e uma consciência política maior que a do brasileiro.


PIMENTA - Você já está na África há quanto tempo?

MAZZEI -
Estou aqui há um ano e três meses.


PIMENTA -
Em algum momento, pensou em largar tudo e voltar ao Brasil?

MAZZEI -
Tenho ido ao Brasil de três em três meses, seguindo o estabelecido em meu contrato, e isso me ajuda a matar um pouco a saudade dos familiares, dos amigos e da terrinha. Mas são apenas 14 dias, que dedico em parte a resolver pendências de documentação, questões bancárias e exames médicos, pouco sobrando mesmo para o lazer junto à família – meus dois netinhos estão crescendo... Às vezes me dá uma saudade imensa. Minha mulher só passou aqui três meses – agora que deve voltar comigo, em outubro. Mas sinto que a missão ainda não acabou. Para voltar ao Brasil só com uma proposta muito tentadora.

PIMENTA - Agora, um assunto que importa muito para o Pimenta. Qual o melhor lugar para "comer água" em Luanda? E a cerveja, é de qualidade?

MAZZEI -
Ainda que não seja um consumidor, convivo com grandes consumidores e posso opinar. Pra começar, o maior número de fábricas daqui é de cervejas. Todas boas, dizem os entendidos. Tem a Cuca, a Eka, a Nocal e mais de uma dúzia de estrangeiras, de toda parte – Portugal e Alemanha em destaque. O pessoal aqui gosta muito de uma “cerva”, mas bebe também muito vinho. Acho que o melhor lugar para beber uma cerveja bem gelada é na praia; a mais próxima fica na Ilha de Luanda, onde estão grandes bares, restaurantes e boates à beira-mar.

PIMENTA - Tem muita saudade do Brasil?

MAZZEI -
Claro que tenho, de montão. Mas a TV por assinatura tem dois canais brasileiros, temos a Internet com os sites, emails, messenger e skype que ajudam a atenuar a distância. Nas rádios tocam muita música brasileira. Afinal, o Brasil foi o primeiro país do mundo a reconhecer a independência de Angola e somos tratados aqui como amigos fraternos. Mas sinto saudade de muitas pessoas e coisas específicas.

PIMENTA -
E de Ilhéus?
MAZZEI -
Claro que tenho muita saudade de Ilhéus. Em um ano e meio que passei na “princesinha” fiz amigos verdadeiros, adorei a geografia, pude trabalhar pelo município, dentro das possibilidades do momento. Lembro que me sentia em casa, pois fui bem acolhido pelos formadores de opinião e pelo povo, em geral.


"Os vereadores devem acompanhar a voz do povo,
sob pena de terem que abandonar
a carreira política em Ilhéus".


PIMENTA - Sabemos que você acompanha pela internet a crise política em Ilhéus. O que você pensa a respeito?
MAZZEI -
Profundamente lamentável que a situação tenha chegado ao ponto em que chegou. Por um lado, a precariedade da administração municipal como decorrência da débil vontade política; por outro, a malversação dos escassos recursos disponíveis. Só poderia resultar em profundo desgaste de Valderico e seu governo, no qual tantos ilheenses depositaram confiança. Confesso que não creio numa recuperação da atual administração nesse final de mandato e quem perde com isso é a população de Ilhéus.

PIMENTA - Você foi o primeiro secretário de Turismo do governo Valderico e não é segredo que enfrentou dificuldades homéricas para fazer o seu trabalho.Sinceramente, em algum momento você acreditou que o prefeito desejasse fazer o melhor pela cidade?

MAZZEI -
No início cheguei a acreditar nas melhores intenções do prefeito. Mas logo percebi que Valderico não daria a menor atenção ao Turismo, como atividade econômica importante, geradora de muitos empregos e renda. Com um ano de Setur, fiquei convencido de que Turismo, para o atual prefeito, era locação de ônibus de suas empresas. Ele não fazia a menor idéia da sua complexidade, nem do alto retorno possível.


PIMENTA - Como foi trabalhar dessa forma?

MAZZEI -
Ao invés de destinar recursos de manutenção e para investimentos nesse setor, a família do prefeito esperava que a Setur conseguisse dinheiro para a Prefeitura, até para decoração de Natal. Apesar de ter me dedicado muito ao trabalho – junto com minha equipe – senti um desgaste muito grande com problemas administrativos que deviam ter solução automática, a exemplo do não-pagamento de aluguel da sede da Setur e outros tantos. Fiquei extremamente chateado, por exemplo, com a não-contratação e, depois, com o não-pagamento dos dias trabalhados pelo fotógrafo Mário de Queiroz. E lamentei, também, o fato de não ter controle sobre o orçamento da Setur e ser forçado a pedir patrocínio externo até para fazer receptivo aos cruzeiros marítimos. Foram várias pequenas e grandes questões que me desencantaram com a atual administração.

PIMENTA - O que você achou da demissão de Hermano Fahning da Setur?

MAZZEI -
Uma injustiça inominável. Ele esteve na sede da Prefeitura para tratar de problemas urgentes para a festa da padroeira, e tinha que falar com qualquer que fosse o prefeito em exercício. Agiu como técnico responsável e foi punido erroneamente, por indisfarçável maldade. Hermano é um profissional de alta competência e seriedade a toda prova. Certamente será aproveitado em funções mais gratificantes que a ocupada na Setur.


PIMENTA -
Temos uma enquete no Pimenta sobre a possível cassação de Valderico. O que você acha que vai acontecer nesta quarta-feira, na Câmara de Vereadores?
MAZZEI - A voz do povo é a voz de Deus. Os vereadores devem acompanhar a voz do povo, sob pena de terem que abandonar a carreira política em Ilhéus. E - o que pode ser até pior - de terem que prestar contas a Deus.

4 comentários:

Anônimo disse...

Parabens Pimenta pela entrevista com Mazzei - em 25 anos ele foi o Unico Secretario de Turismo de Ilheus que realmente fez um esforco para destacar Ilheus na Midia e no Turismo. Mazzei: Voce estah nos fazendo falta! Desejamos que seja feliz aih em Angola, mesmo longe da nossa terrinha!

Anônimo disse...

Zelão Pro Sêo Pimenta:

Bela entrevista. "Raimundão", como era aqui chamado pelos amigos,desnuda o seu lado humano que poucos conheciam. Lamento sómente discordar das esperanças de Mazzei, ao invocar a "providência divina" para resolver a discaração dos políticos de Ilhéus.
Ademais,Nota 10!

Anônimo disse...

Desde o início do (des)governo de Valderico Reis, pude observar a seriedade e competência de Mazzei. Era quase uma "ovelha branca" num rebanho de incompetentes...

Valério Bomfim disse...

Parabéns pela excelente entrevista com Mazzei, o que não é surpresa pela qualidade de tudo que é postado neste blog.Por favor peça aomesmo que me mande seu msn ou outras formas de mantermos contato, estou com saudades dos bate papos sobre religiosiodade africana e com certeza ele temmuito a me ensinar agora.
valerioilheus@hotmail.com