27 novembro 2006

Fé, paraísos e jogos de azar

Domingos Matos*

Quem já tentou sintonizar algum canal de televisão numa manhã de domingo deve ter percebido que em todos há um pastor protestante, um líder espírita, um padre, um guia qualquer, até da Universal à Seicho-no-ie, com suas mensagens de esperança e promessas de paraísos para todos os gostos. Não sou contra a religiosidade, pelo contrário, tenho a minha. O que não consigo mesmo aceitar é a exploração desse sentimento e das carências gerais de um povo como o nosso, pobre, desempregado e analfabeto.

Aqui não se trata de defender ou criticar essa ou aquela doutrina, só a exploração financeira e psicológica – o que dá no mesmo, já que tudo termina em “oferta” – de membros incautos e do desespero das pessoas. Mas, será que esse fenômeno só existe no Brasil ou em países congêneres, a exemplo de Guatemala, Ruanda e outros subdesenvolvidos ou “em desenvolvimento”? Claro que não.

Está aí a multinacional Igreja Universal do Reino de Deus que, a partir do Brasil, com sua pregação funérea – “Pare de sofrer!” – já está presente em quase 100 países em todos os cantos do mundo, sejam eles ricos, pobres, emergentes ou submergentes. De onde sai tanto dinheiro? Das “ofertas” dos pobres do Brasil, claro. Mas a questão não se limita à Universal. Como disse no início, líderes de todos os matizes religiosos tentam o tempo todo nos converter ou “reconverter”. Por ser lucrativa, a atividade gera grande concorrência entre os que se denominam “pescadores de almas”.

Não é de estranhar que membros iletrados dessas “companhias religiosas”, freqüentemente informem que pertencem a tal “dominação” – em vez de “denominação”... Porém, a miséria e o flagelo social do Brasil não explicariam, por si só, a espantosa multiplicação de templos que observamos ultimamente. Há também que se levar em conta a necessidade de preenchimento do existir a que a sociedade atual está exposta.

O desemprego, a falta de perspectivas de futuro, o analfabetismo, enfim, a falta de todas essas coisas que nos dão uma razão para querer viver neste mundo acaba por nos empurrar para alguma “tábua de salvação”. Nesse sentido, diz Paul Lazarsfeld, o jogo de azar exerce papel parecido, o de preencher o não-tempo, de dar algum sentido à vida, de trazer a sensação de ter o que esperar.

Mas, como seu propósito e os resultados acabam sendo o vício e a alienação, sem que o fim último seja alcançado – dificilmente alguém ganha na loteria, já que a chance de ser premiado é igual tanto para quem joga quanto para quem não aposta – as pessoas logo tratam de excluí-lo de suas vidas, por ser uma prática, como disse, perniciosa. Aliás, recorrem aos templos – qualquer um! – para se verem livres desse desvio.

Já a religião acaba por satisfazer essa necessidade, justamente por não satisfazê-la nunca. Ora, se o que prometo é um paraíso para após a morte, nunca serei cobrado por não entregá-lo... Quem virá reclamar depois? Quem quer conferir antes a veracidade do anúncio?

Por se tratar de uma esperança, e lidar diretamente com a fé, que é crer no que não vê, as igrejas inescrupulosas conseguem manter sempre um rebanho satisfeito por não querer se satisfazer. Isso, independente de qual “dominação” exerça, é surrupiar a verdadeira espiritualidade, prostituir os sonhos, subornar a esperança. E é o que se percebe em cada esquina ou mesmo nos tais canais de televisão.

Ademais, vendo esses líderes se esmerando para levar, cada um seu rebanho ao paraíso, não deve ser sacrilégio considerar: e se a terra for apenas o inferno de outros planetas?

Jornalista*

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