Variações sobre um mesmo tema
Retorno de uma viagem de trabalho a Ipiaú. O pneu estoura num dos inúmeros buracos do trecho entre Ubaitaba e Itajuipe da rodovia BR 101.
Enquanto a troca é feita, é tentador observar uma roça de cacau às margens da pista. Não existem cercas e os cacaueiros estão ali, expostos. Avanço uns poucos metros no interior da propriedade.
O quadro é de abandono. O mato se mistura aos pés de cacau. Uma observação mais atenta e nota-se que os frutos estão podres, os galhos infectados pela vassoura-de-bruxa. A produção, se é que vai haver alguma, não compensa as despesas com a manutenção do cultivo.
A cena se repete em maior ou menos intensidade às margens das rodovias, das estradas vicinais, dos caminhos onde mal passam animais: fazendas e mais fazendas abandonadas, cenários fantasmagóricos onde uns poucos trabalhadores permanecem por absoluta falta de opção.
Sedes de fazenda, outrora vistosas, expõem a deterioração atual. Casas que antes abrigavam centenas, milhares de trabalhadores, mais parecem casebres.
Óbvio que existem os produtores que ainda resistem, mantém as fazendas em funcionamento, investem em novas tecnologias, apostam na recuperação do cacau.
Mas, a profusão de fazendas-fantasmas chama a atenção, evidencia uma realidade que não pode ser ignorada. Grita por ações governamentais que transponham a barreira da promessa e do discurso vazio e se traduzam em ações efetivas.
O calor é insuportável em Camacan, que já se orgulhou de ser cidade campeã mundial na produção de cacau.
Na avenida principal, centenas de pessoas, mulheres em sua maioria, enfrentam uma fila que parece interminável. Destino final: a casa lotérica que também é agência avançada da Caixa Econômica Federal. Objetivo: receber o Bolsa Família, programa de transferência de renda que tem contribuído para reduzir a pobreza e alçou Lula à condição de mito popular.
Em Camacan, não é diferente. Citar Lula para aquelas pessoas da fila é como evocar o nome de um santo. Não se pode dizer o mesmo ao falar
Camacan é uma cidade que, em vez de crescer, encolheu. Em 20 anos, perdeu quase 10 mil habitantes. Nessa toada, acaba virando uma cidade-fantasma, como aquelas dos filmes de faroeste norte-americano.
Não é mais o dinheiro do cacau quem movimenta o comércio.
Nesta segunda-feira especialmente quente, donos de mercados, de lojas, de farmácias e até feirantes (apesar do dia inapropriado) exultam. É o dinheiro do Bolsa Família quem lhes dá alento, faz girar a economia e preservar empregos que inexistem nas roças.
A cena foi observada em Camacan, mas poderia ter sido
Já não se voltam as atenções para a Bolsa de Londres, a Bolsa de Nova York, onde se acompanhava a cotação do cacau em libras esterlinas, em dólares.
Agora, é o Bolsa Família, com seus preciosos reais, imprescindíveis reais, benditos reais.
A fazenda abandonada às margens da BR 101 e a fila do Bolsa Família em Camacan são variações de um mesmo tema.
Uma relação de causa e efeito.
Daniel Thame
2 comentários:
Quem será o Secretario de AGRICULTURA do Estado ?
KD o PAC do cacau ?
O assunto é sério, e, a historia está registrando o pouco caso dos Governos.
O atual é especialista em cuidar da miseria.
Temos que esperar que ela fique generalizada ?
Os maiores latifundiarios de hoje são os movimentos "SEM TERRA".
Produzem o que?
Zelão Pro Sêo Danié:
Tavendo, foi p´reciso que o sinhó, um paulistano de quatro costados, viesse para nossa região e desse testemunhal vibrante e conciso.
De tudo o que foi dito, e bem dito, o que mais me apavora, foi a constatação de que "Lula é visto como um deus" e o cacau, outrora fonte de trabalho e de riquezas desta região, seja visto hoje como um fantasma que assombra. Isso só vem a comprovar, que a opção pela exploração política da miséria do povo, é muito mais importante e vantajosa para o governo do PT, que a busca de soluções definitivas para a crise da lavoura cacaueira da Bahia.
Lucida, porém lamentável a sua constatação.
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