27 abril 2008

Brasil e países europeus debatem migrações e mercado de trabalho

Luciano Reis Porto
De Lisboa, especial para o Pimenta

Centrais de trabalhadores de Brasil (CUT) e Portugal (CGTP) realizaram, no dia 19, em Lisboa, o seminário “Migrações e mundo do trabalho”. O evento amplo contou com a presença de várias centrais sindicais da Europa e dos governos de Portugal e do Brasil.

Estiveram presentes, da parte brasileira, Luiz Dulci, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Carlos Gabas, secretário-executivo do Ministério da Previdência Social, e Paulo Sérgio de Almeida, presidente do Conselho Nacional de Imigração.

A iniciativa é parte da estratégia da Secretaria de Relações Internacionais da CUT de propor a sindicais européias a realização de seminários desta natureza para sensibilizar os governos locais e a sociedade para o problema que se tornou a imigração.

Segundo o Ministério da Previdência, há em Portugal mais de 115 mil brasileiros trabalhando legalmente. No Brasil, há cerca de 257 mil portugueses na mesma situação. 4 milhões brasileiros vivem fora do país e remetem para cá US$ 8 bilhões, anualmente.

A seguir, trechos de um bate-papo com João Felício, ex-presidente e hoje secretário de Relações Internacionais da CUT.

Pimenta - Por quais razões a CUT propôs realizar, em conjunto com a CGTP, um evento com esse tema, “Migrações e mundo do trabalho”, aqui em Lisboa?
João Felício -
Primeiro, porque são milhares os brasileiros que moram no exterior, que trabalham, que contribuem para o crescimento econômico do país onde estão, mas que enfrentam problemas relativos a seus direitos. Há uma profunda discriminação contra brasileiros em vários países europeus, nos Estados Unidos, no Japão. Esse encontro foi possível porque a CUT tem relações históricas, de amizade, de parcerias com a CGTP de Portugal, que é a maior central sindical portuguesa.

Pimenta - A avaliação do encontro é positiva?
João Felício -
Daqui saíram sugestões importantes que colocam a CUT na perspectiva de exercer uma pressão maior sobre o Ministério de Relações Exteriores do Brasil para que cuide com mais afinco dos interesses dos brasileiros que moram no exterior. E, também, como equipar melhor os consulados, as embaixadas, e que canalize junto ao governo brasileiro as reivindicações históricas dos trabalhadores.

Pimenta – E como interferir para melhorar a qualidade de vida destes brasileiros?
João Felício -
Foram apontados alguns encaminhamentos, especialmente no que se refere à formação. Só para citar um caso: nós sabemos que em Portugal é grande o número de brasileiros que não conhecem com profundidade a legislação local no que diz respeito a direitos trabalhistas, direitos previdenciários e, tampouco, conhecem a legislação brasileira.

Pimenta – Como as centrais vão trabalhar para oferecer essa formação?
João Felício -
A CUT, junto com a CGTP, vai fazer as gestões necessárias para montar um curso de formação aqui em Lisboa, para dirigentes sindicais brasileiros que moram aqui. E também vai elaborar documentos, cartilhas explicativas informando sobre direitos locais. Foi um encontro de trocas de experiências. A CUT é uma central sindical que organiza os trabalhadores no Brasil, não tem como fazer isso em outros países. Então, essas coisas só podem ser feitas se houver uma central sindical parceira, como a CGTP.

Pimenta - Estima-se que, hoje, já são mais de 4 milhões de brasileiros que vivem no exterior, um contingente que remete anualmente para o Brasil algo em torno de US$ 8 bilhões. Como a CUT vê a atuação do governo brasileiro em relação a esse número expressivo de brasileiros migrantes?
João Felício -
A melhor forma de evitar a emigração é o crescimento econômico. Se o Brasil tivesse crescido ao longo dos anos como tem crescido agora, com certeza o número de brasileiros migrantes seria menor. Mas, também há que se considerar que muitos saem do Brasil não necessariamente por questões econômicas. Saem pra buscar uma nova forma de vida, ter outras experiências ou porque a própria profissão, às vezes, exige, como é o caso de trabalhadores de empresas multinacionais. Mas, claro, a maioria sai porque as sucessivas crises econômicas no Brasil empurraram a tomar outro rumo, a buscar novas formas de sobrevivência.

Pimenta – E, na sua opinião, o que estaria faltando?
João Felício -
Em que pese alguns avanços do atual governo, é a concretização de acordos bilaterais do Brasil com países receptores de brasileiros. Nós notamos que ainda há uma profunda discriminação, maus tratos, falta de respeito para com os trabalhadores brasileiros. Então, é preciso avançar nisso. Há coisas simples, como a agilização na obtenção de documentos, que os governos podem resolver e melhorar a vida das pessoas. Um exemplo é a questão da aposentadoria. Muitos brasileiros, em alguns países, não podem somar seu tempo de trabalho no exterior com o tempo de trabalho no Brasil, para efeitos de aposentadoria. Isso é perfeitamente possível de se resolver, como já foi feito com relação a Portugal e Espanha. Agora, tudo isso ocorre se tiver pressão política. Por isso que eu acho que a presença de brasileiros organizados em núcleos de partidos, como os núcleos do PT em Lisboa e Madri, é fundamental. Por mais que tenhamos governos comprometidos, as conquistas só virão se houver luta.

Pimenta - Tem havido um fenômeno interessante, embora ainda incipiente, no caso da imigração brasileira, que é o retorno dos emigrados, especialmente dos Estados Unidos. A que se poderia atribuir isso?
João Felício -
Creio que podemos apontar três motivos centrais. O primeiro é a repressão do governo americano, que discrimina, persegue, deporta. Depois do 11 de setembro, isso se intensificou muito e se somou às dificuldades já existentes. Outro motivo é a desvalorização do dólar, fazendo com que já não haja tanta vantagem trabalhar lá na perspectiva de converter o que se ganha em reais. Com o dólar a 1,60 já não há aquele peso que houve no passado. Não há mais grande compensação. Um terceiro motivo, eu acho que tem a ver com o crescimento econômico do Brasil nos últimos anos. As pessoas estão voltando a acreditar no Brasil, e esse otimismo estimula as pessoas a retornarem, bem como a não saírem do país.

Pimenta - Existe uma grande contradição nos discursos e na prática dos governos dos países desenvolvidos. Eles defendem o conceito de sociedade aberta, mas, ao mesmo tempo, temos estados extremamente fechados, sobretudo à imigração. Como explicar essa contradição?
João Felício -
Há nos países mais desenvolvidos um profundo protecionismo, que se manifesta de várias formas. Primeiro, o protecionismo contra os imigrantes, impedindo que as pessoas entrem, trabalhem e tenha uma vida melhor. Segundo, um protecionismo nas relações comerciais. Os países avançados fazem uma profunda pressão política para exportar seus produtos e criam enormes dificuldades para a entrada dos oriundos dos países em desenvolvimento. É um protecionismo nocivo nas relações comerciais, muito ruim para as populações mais pobres. Aquilo que ocorreu no passado, quando milhares de europeus foram para as américas, buscando melhores condições de vida, e foram bem aceitos, hoje não se verifica mais nesse fluxo migratório contrário. Ou seja, os imigrantes que aqui na Europa chegam, não são bem visto, não são aceitos, não são integrados na sociedade. Acham, por exemplo, que a vinda de brasileiros e latinos pra cá vá tirar os empregos locais, o que eu não acredito, pois, infelizmente, grande parte dos imigrantes se submete a condições desfavoráveis, como baixos salários, sem ter registro em carteira, sem reconhecimento político local. Mas, há uma forte pressão política sobre os governos locais. E isso justifica esse fechamento, valendo-se de justificativas como as que vinculam imigração com violência, com prostituição, e outras formas camufladas de discriminação e xenofobia. A violência, para mim, é mais forte das nações ricas sobre os pobres do mundo. Se a gente for analisar quem contribui pra a paz mundial, acho que nós contribuimos muito mais, com nosso pacifismo, do que as grandes potências, como os Estados Unidos. O Iraque não me deixa mentir. Portanto, não são os imigrantes dos países em desenvolvimento que aumentam a violência no mundo. A violência sempre vem por causa do domínio econômico.



O pequeno número de sindicatos
que saiu da CUT saiu
por questões partidárias







Pimenta- Fora do país, lemos diariamente nos jornais notícias sobre as conquistas recentes do Brasil e isso gera uma grande expectativa. Qual a melhor notícia que a CUT daria para os trabalhadores brasileiros emigrados, a respeito do Brasil, nesses cinco anos de governo Lula?
João Felício -
Olha, a Central Sindical exerce uma profunda autonomia em relação aos governos. Agora, a central sindical é autônoma, mas não é neutra. Para nós, os anos do governo Lula são muito melhores do que os anos de FHC ou qualquer outro período de nossa história recente. O Brasil está tendo um crescimento econômico maior. Hoje, os movimentos sociais do Brasil, a CUT, têm muito mais espaço de negociação no governo, porque não são discriminados, como no passado. Temos crescimento econômico aliado a distribuição de renda. Já tivemos no passado crescimento econômico de 8%, 9%, 10%, mas não havia distribuição de renda. O crescimento só atingia a população mais rica. Hoje não, ele atinge a população mais pobre. Nós tivemos, nesses cinco anos, 36% de aumento real do salário mínimo. Por isso, que a população mais pobre contribui enormemente pra o crescimento do país, porque compra mais, porque tem acesso ao mundo do consumo. Nunca as lojas venderam tanto, nunca as empresas produziram tanto. E também os programas sociais. Você tem um programa como o Bolsa Família que contribui pra tirar milhões de famílias da miséria.

Pimenta - Essa leitura majoritariamente positiva que a CUT tem do governo Lula, lhe custou algumas acusações de perda de combatividade, com a saída de sindicalistas para criação de outra central. Como a CUT vê essa análise?
João Felício - É uma afirmação esdrúxula que não condiz com a realidade. O pequeno número de sindicatos que saiu da CUT saiu por questões partidárias. Agora, recentemente, tivemos a saída de sindicatos dirigidos por companheiros do PCdoB, valorosos companheiros com os quais estaremos sempre juntos em muitas lutas. Mas, saíram da CUT por uma questão partidária. Isso é muito ruim, da mesma maneira como ocorreu com sindicatos dirigidos por companheiros do PSTU e do PSOL. Isso foi ruim porque eu sempre sonhei que era possível construir no Brasil uma central sindical única da esquerda. Podia não ser única dentro do espectro sindical do país, mas, pelo menos, única no campo da esquerda. Hoje nós temos quatro organizações regionais no campo da esquerda. Como é que nós vamos enfrentar o futuro, com uma esquerda tão dividida?

Pimenta - Mas a CUT não perdeu a combatividade?
João Felício -
A diminuição do número de greves, por exemplo, se deu porque hoje você tem uma inflação mais baixa. O próprio Dieese detectou que 92% dos sindicatos estão conseguindo fazer acordos salariais com reajustes superiores à inflação, o que é um fato inédito. Nós nunca tivemos isso nos anos 80 e 90. Quando o sindicato consegue fazer um acordo salarial que resulte em ganho real do salário, por que vamos fazer greve? Eu sempre sonhei na minha vida de fazer um acordo antes de decretar uma greve. Então, a imensa maioria das categorias está conseguindo isso. Por isso, diminuíram as greves e não porque a CUT mudou a sua história, o seu jeito de ser, ou não tem mais aquela garra do passado. Isso não é correto.

Pimenta – O senhor não concorda com essa análise, então?
João Felício -
Isso é uma análise de um esquerdismo infantil, partidário ou daquela direita desavergonhada que deseja que a CUT bata no Lula em todos os momentos. É posição de quem não reconhece os avanços obtidos e que não aceita uma central sindical que hoje é interlocutora, que tem espaços de negociação política, que organiza a luta com mais democracia que no passado. Então, é aquilo que sempre costumo dizer: é impressionante como o esquerdismo infantil consegue abraçar a direita. Faz análises muito parecidas com os grandes meios de comunicação do país, que toda hora ofende a CUT, seus dirigentes. A nossa central sindical vai continuar sendo o que sempre foi. Quando os nossos sindicatos definirem que há necessidade de fazer greve geral no país, ou greve de categorias, assim o faremos, como sempre fizemos, e sempre vamos continuar a fazer. Não vamos mudar nosso jeito de ser e nossa história.

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabens Luciano, adorei, muito bom mesmo.