Doação expõe promiscuidade entre deputados e empresas
RUBENS VALENTE
LEANDRO BEGUOCI
da Folha de S.Paulo
Levantamento das doações empresariais na última campanha eleitoral revela um conflito de interesses nas atividades de pelo menos 36 deputados federais reeleitos, de um total de 279. Eles relataram projetos de lei ou integraram CPIs (Comissões Parlamentares de Inquérito) e comissões do Congresso cujos temas são de interesse de parte de seus doadores.
O lobby da indústria do fumo, de fabricantes de armas e munições, de empresas de combustíveis, da CBF (Confederação Brasileira de Futebol), de bancos, de siderúrgicas, de cervejarias e de empresas de celulose e papel, entre outros, deixou suas pegadas nas prestações de conta entregues pelos candidatos ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
"Paguei um ônus tão grande por ser líder da bancada da bala, eu acho que muita gente se surpreendeu com a doação que eu tive. Eu mesmo esperava mais", disse o deputado Alberto Fraga (PFL-DF), que recebeu R$ 282,5 mil das empresas de armamento Taurus e CBC (Companhia Brasileira de Cartuchos). Isso não o impediu de relatar projetos relacionados ao setor, como o que trata da exigência de exame psicológico para o ato do registro de uma arma de fogo.
Não há vedação legal específica para esse tipo de contribuição de campanha. O Código de Ética da Câmara dos Deputados proíbe ao parlamentar, em seu artigo 5º, sob pena de cassação do mandato, "relatar matéria submetida à apreciação da Câmara, de interesse específico de pessoa física ou jurídica que tenha contribuído para o financiamento de sua campanha eleitoral".
O texto não trata, portanto, da atividade parlamentar em comissões, de inquérito ou não, e também não veda a operação no sentido contrário (receber doação após ter relatado matéria de interesse do doador).
A prática incluiu parlamentares de todos os principais partidos (PT, PSDB, PMDB, PFL, PP, PTB e PC do B).
Gasolina
"Se houver impedimento jurídico, eu devolvo o dinheiro", disse o deputado e ex-ministro dos Esportes Carlos Melles (PFL-MG), que recebeu R$ 30 mil da companhia Petróleo Ipiranga e, no entanto, havia sido o relator da CPI dos Combustíveis que, até outubro de 2003, investigou concorrentes diretas da Ipiranga.
A mesma quantia foi doada pela Ipiranga para outro titular da comissão, o deputado Paes Landim (PFL-PI).
Também criada em 2003, a CPI da Serasa guarda outras coincidências. Três integrantes --dois suplentes e um titular-- receberam doações da própria Serasa.
Ao final, a CPI não pediu nenhuma investigação criminal contra a Serasa, seguindo o parecer do relator, o então deputado Gilberto Kassab (PFL-SP), hoje prefeito de São Paulo.
Integrante de outra CPI, a dos Correios, o deputado Pompeo de Mattos (PDT-RS) também não viu problema em aceitar uma doação de R$ 35 mil do banco BMG. Junto com o banco Rural, o BMG foi investigado como uma das fontes do valerioduto, ao conceder empréstimos financeiros nunca pagos pelo publicitário Marcos Valério de Souza. "Nunca investiguei o BMG", alegou o pedetista, que, como parlamentar, tinha acesso qualificado aos bastidores da comissão.
Bola e motocicleta
Capitã da chamada "bancada da bola", a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) investiu R$ 50 mil na campanha vitoriosa do deputado José Rocha (PFL-BA). Ele é membro suplente da Comissão de Turismo e Desporto da Casa, onde tramitam matérias de interesse imediato da CBF.
Projetos de lei que tramitam pela Câmara podem ser abortados ou inflados em comissões pelas quais passam antes de ir a votação no plenário.
Um exemplo de como os interesses das empresas se manifestam num membro de comissão é o do deputado Alberto Lupion (PFL-PR), presidente da Comissão de Agricultura.
Embora seja relator de um projeto que muda o Estatuto da Terra para permitir o uso de títulos de dívida agrária para pagamento de dívidas bancárias por produtores rurais --projeto de interesse da bancada ruralista--, Lupion recebeu R$ 625 mil de empresas ligadas ao agronegócio. O valor representa 80% de tudo o que ele arrecadou na campanha. "Temos conscientizado nosso segmento de que quem não trabalha para os deputados do setor está trabalhando contra si mesmo", disse o deputado ruralista.
No terreno das comissões, o deputado Walter Pinheiro (PT-BA) agrega outro exemplo. Recebeu R$ 10 mil da empresa Algar, controladora da empresa de telefonia CBTC, que atua em Minas Gerais. Pinheiro é titular da comissão que estuda a tarifa de telefonia fixa e relator de um projeto que trata de incentivos fiscais a operadoras que invistam em projetos de tecnologia.
O deputado federal Ciro Nogueira (PP-PI), corregedor da Câmara dos Deputados, é caso único, no grupo de 36, que relatou um projeto de interesse da empresa doadora pertencente ao próprio parlamentar.
Nogueira registrou doações de R$ 180 mil da empresa "Ciro Nogueira Comércio de Motocicletas". O parlamentar dono da empresa foi, contudo, o relator de um projeto que tratava da velocidade máxima para motocicletas, além de outras alterações no Código de Trânsito.
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