03 abril 2008

"Brasil e Espanha: um freio à guerra de deportações"

Luciano Reis Porto
De Madri, especial para o Pimenta


Essa foi a manchete da reportagem do jornal El Diario, referindo-se ao acordo ajustado entre Brasil e Espanha no tocante ao problema das deportações. Nessa mesma tônica, os demais meios de comunicação se manifestaram sobre o assunto.

O jornal El Mundo, em uma análise extensa do problema, considerou o encontro bilateral como uma "hoja de ruta" ou um road map for peace (expressão usada para designar o plano de paz entre palestinos e israelenses em 2002) fixado pelos dois países para superar a crise das retenções.

Em geral, a deduzir pela reação da mídia, a avaliação é que as medidas acordadas são boas. Ao mesmo tempo em que sinalizam para a superação do que parecia ser uma medida discriminatória do governo espanhol, não deixam de contemplar a necessidade de cumprimento da normativa que fixa a União Européia para o chamado espaço Schengen (tratado que suprimiu os controles de fronteira entre os membros da UE).

Um dos aspectos mais relevantes se refere à situação dos "barrados" nos aeroportos, tendo em vista os reiterados relatos de maus-tratos para com as pessoas retidas. Nesse sentido, ambas as partes se comprometeram a melhorar as condições de assistência jurídica, comida, higiene, comunicação (já que os retidos ficavam quase incomunicáveis) e acesso às bagagens.

No entanto - e esse é um ponto negativo, a meu ver -, nao se menciona maiores detalhes sobre as obrigações das autoridades e o direito dos viajantes. Também foi acertado (esse pedido partiu da Espanha) que se facilitará o acesso a caixas eletrônicos para os turistas que, não tendo dinheiro suficiente em mãos, possam sacá-lo livremente, e assim evitar a expulsão por não cumprir um dos requisitos previstos.

No caso de brasileiros, deve-se ter um mínimo de 60 euros por dia de permanência e por pessoa, sendo a quantia mínima de 540 euros, ou seja, 90% do salário mínimo bruto vigente na Espanha. Em relação às autoridades do controle migratório, sobre as quais pesam denúncias de tratamento vexatório e desinformação, o acordo abre a possibilidade de intercâmbio de policiais entre os dois países com o objetivo de melhorar a aplicação das leis vigentes.

Também ficou previsto estabelecer um sistema de comunicação especial e ágil, através de um procedimento de linha direta, entre as autoridades consulares e competentes em assuntos de fronteiras de ambas as partes, a fim de evitar contratempos futuros.

Se vai funcionar na prática, ainda há dúvidas. No entanto, a sensação geral é de que o clima tenso esfriou. E a percepção dos brasileiros é de que houve uma bem sucedida movimentação da diplomacia brasileira. Isso ficou claro em recente reunião do Núcleo de Entidades Brasileiras da Espanha (NEBE), na qual o consenso geral foi de que o governo brasileiro acertou ao aplicar o princípio da reciprocidade, num primeiro momento, e abrir, em seguida e de imediato, canal de negociação.

Essa leitura da crise parece encontrar eco para mais além da comunidade de brasileiros. De fato, o editorial do jornal Latino (destinada exclusivamente à comunidade hispano-latina e de distribuição gratuita) comenta que a postura do Brasil pode ser definida como uma mistura de soberania, firmeza, diálogo e bom senso. Ressalta ainda que o que poderia parecer, a princípio, como retaliação e golpe midiático, agora emerge como uma atitude séria de um país que sabe impor respeito, mas que, sobretudo, sabe dialogar e solucionar os problemas de maneira concreta.

E cita como exemplo o fato de, a partir do endurecimento do governo brasileiro, o número de brasileiros barrados no aeroporto internacional de Madri ter diminuído de 30 por dia, nos dois primeiros meses do ano, para uma média de 9/dia, depois de deflagrada a crise. E conclui que a articulação do Brasil deveria ser seguida, por exemplo, pelos bolivianos, os campeões em retenções do ano passado.

Esse é o panorama diante do qual se estende o problema agora. Resta esperar pelos desdobramentos. Que vão continuar havendo retenções, isso, com certeza, vai, afinal são muitos aqueles que aproveitam do fato de a Espanha não exigir visto de turista, para tentar a sorte grande (que, na verdade, cada vez está menor por essas bandas). Mas, pelo menos, se espera que não se verifiquem mais deportações injustas, nem maus-tratos para com os inadmitidos.

Como conclui o diário El Mundo, "la crisis está zanjada".

Luciano Reis Porto é advogado, professor e mestrando em Direito na Universidade Carlos III de Madri.

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