08 setembro 2006

Noblat, ACM e "lá vai o ladrão"

Por mais respeito aos eleitores

Entre 1990 e 1992, trabalhei em uma agência de publicidade baiana, a Propeg, que acumulara vasta experiência em marketing político. A direção da agência achava que eu entendia do assunto porque fora colunista político do Jornal do Brasil.

Eu não entendia. Passei a entender depois de três anos sob o tacão dos marqueteiros Geraldo Walter de Souza Filho, o Geraldão, Rui Rodrigues e Fernando Barros. Foram anos divertidos, dois deles em Angola.

Naquela época, a Justiça Eleitoral era mais flexível por aqui no exame dos programas de propaganda eleitoral no rádio e na televisão. Permitia que os candidatos se atacassem - desde que não resvalassem para baixarias e ofensas graves.

A campanha era especialmente quente na Bahia, berço de alguns dos mais brilhantes marqueteiros do país - além de Geraldão e de Fernando, Duda Mendonça, Nizan Guanaez, Sérgio Amado, Berni e João Santa Filho, responsável pela campanha de Lula.

Ali, marqueteiros de candidatos sem chances de vitória travavam uma guerra surda para ver qual deles tinha mais programas suspensos devido a ataques que ultrapassavam a generosa fronteira do permitido pela Justiça.


Geraldão era especialista em insultar Antonio Carlos Magalhães. Em uma de suas peças mais famosas da campanha de 1986, fez uma paródia da música "Camisa Listrada", de Assis Valente, e ilustrou-a com imagens de ACM. A nova letra dizia assim:

"Vestiu uma camisa listrada e saiu por aí

(Aqui aparecia ACM de camisa listrada)

Em vez de tomar chá com torrada ele chutou o guri

(Aqui, ACM aparecia chutando a perna de um repórter)

Levava o dinheiro no bolso e um chicote na mão

E sorria quando o povo dizia: lá vai o ladrão, lá vai o ladrão".

Havia um sósia de ACM em Salvador. E ele foi personagem de uma novela criada por Geraldão para pegar carona no sucesso da novela Roque Santeiro, da Rede Globo. A de Geraldão se chamava "Antônio Santeiro".

Antõnio Carlos coleciona imagens antigas de santos. "Antônio Santeiro" roubava de igrejas imagens de santos. As beatas da novela de Geraldão se benziam quando cruzavam com "Antônio Santeiro" cercado de capangas.

Na campanha de José Agripino Maia para o governo do Rio Grande do Norte em 1990, Geraldão encomendou uma paródia da música "Metamorfose Ambulante", de Raul Seixas, para debochar da candidatura adversária de Lavosier Maia.

Faz bem a Justiça quando zela para que os programas de propaganda eleitoral não sirvam à prática de crimes de calúnia, injúria e difamação. Mas ela empobrece a discussão política quando interpreta como ofensa o que não passa de ácida crítica.

Em recente programa de Alckmin na televisão, um locutor disse: "O Brasil vive a maior crise de corrupção de sua História". E dissertou sobre mensalão, sanguessugas e dólares na cueca para no fim perguntar: "E você ainda acredita no Lula?"

O programa não culpou Lula pela crise. Mostrou trecho de uma entrevista onde ele dizia que, uma vez eleito, os ministros do governo lhe prestariam conta dos seus atos. E citava ministros que perderam o emprego por terem se envolvido em escândalos.

Só então fazia a pergunta: "E você ainda acredita no Lula?"

Pois o ministro Marcelo Ribeiro, do Tribunal Superior Eleitoral, concedeu liminar proibindo a reapresentação da fala do locutor. Considerou-a ofensiva a Lula. Talvez ainda hoje, no julgamento do mérito, o Tribunal mantenha ou casse a liminar.

Se não houver espaço na propaganda dos candidatos para críticas de parte a parte; se um candidato não puder se socorrer de imagens de arquivo para apontar eventuais contradições de adversários, para que servirá o horário de propaganda?

Apenas para a apresentação de propostas? Para a vaga discussão de idéias? Para que os candidatos prometam o que depois não entregarão?

Há que se repensar os critérios que orientam a Justiça na análise da propaganda eleitoral. E seria o caso de se repensar também o próprio horário de propaganda. Os eleitores ganhariam mais se o monólogo dos candidatos desse lugar a debates obrigatórios.O modelo atual do horário de propaganda serve mais ao engodo do que ao esclarecimento.


O artigo é do blogueiro e jornalista Ricardo Noblat. Você pode acessá-lo no endereço www.noblat.com.br

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