(Sem) cadeiras na calçada
Daniel Thame
O Pontalzinho é um daqueles bairros onde os moradores mais antigos costumam colocar cadeiras na calçada para conversar com os vizinhos ou simplesmente apreciar o movimento.
Colocar cadeiras na calçada, como se sabe, é um hábito que indica, sem qualquer margem de dúvida, a tranqüilidade de um local.
Pois bem, na noite de quinta-feira ocorreu no bairro Pontalzinho, em Itabuna, um fato que retirado do microcosmo de uma rua e transportado para sua dimensão maior, que é a realidade da nossa cidade, do nosso estado e do nosso país, é quase uma passagem de tempo.
Um marco entre uma época que não existe mais e um período em que até o convívio entre as pessoas se torna uma atividade de risco.
Numa das ruas do Pontalzinho, uma senhora colocou a cadeira na calçada, como faz quase todas as noites, trocando a chatice e a impessoalidade da televisão pelo calor humano do contato com os vizinhos.
Coisas de antigamente, baboseira de gente velha, nesses tempos modernos de internet, celular, tevê digital e cada um por si, dirão alguns.
A moradora sentou-se na calçada e ficou observando o movimento, como se a vida passasse tranqüila diante dela.
Foi aí que se deu o fato, que na sua aparente insignificância, adquiriu um significado imensurável.
Em determinado momento, a mulher entrou na casa para atender uma ligação telefônica. Coisa de dois, três minutos, no máximo.
Quando retornou, haviam roubado a cadeira.
Isso mesmo, roubado a cadeira!
Segundo os vizinhos, o roubo foi cometido por um dos muitos ladrões que infestam o bairro. O rapaz passou, pegou a cadeira e saiu correndo. Pelo valor irrisório do objeto, deve ter trocado por uma pedra de crack, a droga que corrói jovens e adolescentes e os transforma em bandidinhos mulambentos.
Na mesma rua, num espaço de menos de uma hora, além da cadeira, uma adolescente teve seu celular roubado e uma mulher teve a bolsa levada por marginais.
Antes que alguém pergunte o porquê de, numa cidade em que apenas na virada do ano seis pessoas foram assassinadas de maneira brutal, se perca tempo dando destaque ao roubo de uma reles cadeira, a resposta é: quando não se pode mais desfrutar nem de uma cadeira na calçada é porque nos tornamos reféns de uma verdadeira guerra urbana, em que a violência se faz presente em todos os momentos.
Uma violência que vai do assassinato mais brutal, ao mais banal dos crimes.
Como roubar uma cadeira na calçada.
Perder a capacidade de se indignar, desconhecer a simbologia de uma cadeira roubada num bairro que já foi sinônimo de tranqüilidade, é admitir que, como num célebre poema de Maiakovsky, eles começam pelas nossas calçadas, invadem nossas casas, se apoderam de nossa liberdade e, quando tentamos reagir, já teremos nos tornando impotentes diante de uma violência que há muito tempo passou dos limites.
Daniel Thame é jornalista
5 comentários:
Daniel:
Parabéns pelo artigo.
Lúcido, oportuno, verdadeiro. Um primor.
No entanto temos que reconhecer que antes de tudo, o que deve nos indignar, é o fato de sermos governados por alguém como FG.
Numa cidade governado por FG, tudo pode acontecer, até sermos impedidos de sentar na calçada.
ATÔNITO
Zelão Comenta:
Superficialmente lúcido, o artigo do competente Daniel Thame, analisa as consequencias da violência em nossa cidade. No entanto esbarra nas suas ligações partidárias, que o impede assim de aprofundar-se nas causas, e dentre elas, no caos em que se encontra o aparelho policial da Bahia, notadamente acentuado no "governo" Jacques Wagner, o que tem causado o aumento vertiginoso da criminalidade e da violência no Estado.
Sei que é difícil por o dedo nas próprias feridas. Mas, em se tratando de um competente jornalista que se dispõe a abordar um tema coletivo, é de se esperar maior aprofundamento no conteúdo da matéria.
Assim eu penso!
Zelão:
SUPERFICIALMENTE LÚCIDO. Assim você adjetivou o artigo do Daniel.
E eu pergunto: que diabos você quiz dizer com esta frase?
AGORA eu espero uma resposta
ATÔNITO, tanto na superficie, como no âmago
Zelão Pra Atônito:
Ao abordar o fato, Daneil o fez com a lucidez e a competência jornalista que lhe é característica. No entanto, como era de se esperar de Daniel, evitou propositadamente a se aprofundar nas causas, por certo evitando tecer críticas ao caos em que se encontra a policia baiana.
Se, caso em contrário o companheiro sempre "atônito", julga que nada mais seria necessário abordar, me coloco em seu lugar e me confesso... Atônito.
Zelão:
O papel do Jornalista é antes de tudo INFORMAR. Claro que informar com consciência crítica e baseado, sempre que possível, em fatos e dados confiáveis.
Só para ilustrar, lembro que a Igreja católica tem um método de evangelização em tres tempos, chamado Ver-Julgar-Agir.
Trazendo para a nossa realidade, diria que o Daniel Thame fez o VER do nosso problema, e com maestria.
Cabe agora às autoridades constituidas: Executivo, Judiciário e Legislativo fazer as outras duas etapas. Ou seja: JULGAR, que seria buscar as causas do problema e por fim, AGIR sobre as causas, para resolver o problema.
AGORA, acredito que me fiz entender.
ATÔNITO, mas gostando da troca de idéias com meu amigo ZELÃO
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