Sem culpa
Gerônimo de Oxossi *
Desapareci por uns dias, com a certeza de que não seria notado. Afinal, quem dá importância a essas linhas escritas por um jornalista decadente, que está entrando em uma idade na qual se escreve mais para si mesmo do que para os outros?
Enfim, o fato é que sumi mesmo. Aliás, fui mantido verdadeiramente em cárcere privado durante duas longas semanas, intermináveis quinze dias em um spa, onde paguei para passar fome.
Vi coisas que jamais imaginei, como um gordo revoltado diante de um prato com uma finíssima fatia de frango grelhado, um fragmento de cenoura e meia folha de alface. O cara surtou, atirou o prato no chão e teve que ser contido por dois brutamontes. Cena feia.
Eu comi para não passar vexame, já que não é só gordura que ainda sobra
Soltaram-me ontem da prisão, para onde fui sem aviso prévio. Queria impressionar, surpreender e também tinha medo de que a estada no spa terminasse como tantas outras experiências frustradas de emagrecimento. Que nada. Estou de cara nova, fininho e até agora há pouco mantinha a disposição de dar seqüência a uma dieta de mil e duzentas calorias diárias.
Pois mais uma vez confirmo, diante de um convite irrecusável, que não há nada mais frágil do que a abstinência de um boêmio inveterado. Amanhã tem feijoada na casa da minha amiga, Dulce. Feijoada completa, suculenta, imperdível e com uma cachacinha de Salinas de aperitivo.
A culpa é grande, mas está decidido. Definitivamente, esse negócio de ser espartano não é comigo. Minha praia é o hedonismo, o doce sabor do prazer imediato e instantâneo, a certeza de que só é possível ser feliz agora, sem adiamentos.
Abro a geladeira e não dou trégua ao peso na consciência. Afogo-o com uma cerveja deliciosa e bem gelada.
* Gerônimo de Oxossi escreve para o blog aos domingos, quando está solto ou sóbrio. Senão, vai na segunda mesmo.
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