02 junho 2007

"Sem leitura, somos seres deserotizados, vazios e ocos"

Por Gustavo Atallah Haun
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Jorge de Souza Araújo é um dos maiores intelectuais vivos do país. Baiano de Baixa Grande (07/01/1947), mudou-se para o sul da Bahia nos anos 1960. Licenciou-se em Letras na antiga FAFI (1972), é mestre (1980) e doutor (1988) pela UFRJ. Foi da equipe inaugural da Tribuna da Bahia e foi repórter do Jornal da Bahia, em 1968, além de redator da Luta Democrática, em 1976.

Produziu crítica literária para inúmeros jornais brasileiros e tem seu nome estampado em várias antologias de conto, poesia e ensaio. Ministra cursos de pós-graduação em universidades estaduais baianas e é professor adjunto da Universidade Estadual de Feira de Santana.

Filiado ao PC do B, atualmente reside em Ilhéus, onde foi candidato a vice-prefeito no ano de 2004. Tem mais de 25 livros publicados e escreve crônica semanal no Jornal Agora, em Itabuna. Abaixo confira a segunda parte da entrevista concedida pelo escritor a Gustavo Atallah Haun.

Quais as suas sugestões para nós, então, de boas leituras jornalísticas hoje?
Gosto de ler os textos de Antônio Lopes no Agora e de quase tudo na revista Caros Amigos. Gosto da crítica lúcida e sensata de Alexandre Garcia, da postura digna de Renata Vasconcelos, do Jornal da Band, do Repórter Nacional (que assisto às 4 da matina na Rede Vida). Pena que não tenhamos mais Rolando Boldrin...

Mudando um pouco de temática, quais os seus cânones literários, seus mestres, seus ídolos?
Sou tarado nos estetas: Jorge de Lima, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos, Machado de Assis, Clarice, Cabral... E no vocabulário anímico produzido pela sensibilidade de Cecília Meireles, Manoel de Barros, Valdelice Pinheiro, Ildelfonsa Laura César... Você reparou que só citei brasileiros? É que a literatura brasileira é mesmo das mais ricas do planeta, ouso dizer, na linha de importância de um Tolstoi, um Dostoievski, um Borges, um Lorca, um Proust e tantos outros que nos acostumamos a reverenciar como únicos.

Como acredita que será o amanhã na literatura? Também compartilha da idéia de que tudo já foi dito, inventado ou criado na escrita literária?
No livro Letra, leitor, leituras: reflexões (Via Literarum, 2006) registro minhas impressões de observador convencido de que a palavra poética não capitulará enquanto sobreviver a sensibilidade dos que crêem na humana perenidade. Assim, estaremos sempre reinventando mundos e nos reinventando a cada verso, a cada frase, a cada parágrafo, a cada poema, a cada conto, a cada crônica, enfim, a cada tudo o que seja objeto da criação humanista.

Como escritor múltiplo que é, qual é o gênero literário que te dá mais prazer em escrever?
Isso varia muito, de acordo com cada experimentação. Vejo-me sempre inscrito naquilo que escrevo porque tudo que escrevemos igualmente nos inscreve. Ultimamente tenho me dedicado mais ao ensaio literário que dialoga com as instâncias da criação, sem tributarismos estéreis, nem subserviências. Gosto também da minha atividade de cronista, embora me ressinta um pouco da ausência de repercussões. Muito estimaria estar interagindo com meus cinco ou seis leitores eventuais, Ainda que nos precipitem.

É possível viver de literatura no sul da Bahia?
É ruim, hein? Que pergunta mais traiçoeira, seu Gustavo. Então você acha que com a cultura sendo tratada a pontapés por nossos alcaides iluminados pelos desertos, seria possível alguma forma de sobrevivência? Melhor esperar a maré nascente de sonhos e parcerias com alguns de nossos pares remanescentes dos antigos Platões...

Voltando à docência, quais as angústias do professor doutor Jorge?
São tantas, meu amigo. Não caberiam no espaço que couber na entrevista que você me pede. Digo apenas que um país que não aposta na plataforma de qualidades essenciais imprimidas à educação e à cultura, só poderá mesmo engatinhar no rés do chão de suas infinitas contradições.

Para contrabalançar, quais as suas utopias (ou sonhos realizáveis) na educação?
Em crônica recente, escrevi que a cultura, muito mais que a educação formal, pode transformar os indivíduos, redirecionando-os às descobertas e revelações de si mesmo e de tantos outros eus. Minhas utopias são coincidentes com essa minha invectiva.

Acredito ainda no sonho e no desejo, combustíveis de nosso eterno devir de grandezas. Se não sonhamos, nem desejamos, estamos mais que fadados à morte simbólica, muito mais traumática do que o fenômeno natural da morte física.

Jorge, há solução para um mundo sem leitura?
Sem a leitura, somos seres deserotizados, vazios e ocos. Sem a cultura, desfaz-se nosso tesão de viver e broxamos inelutavelmente. Aí, só nos restará comprar uma corda de náilon e nos enforcar na praça quinze de nossas mais abjetas desistências.

Clique aqui e confira a primeira parte da entrevista, publicada no Pimenta na última quinta feira.

3 comentários:

Anônimo disse...

Êta peste!
tanta lucidez assim chega a doer.
faz por menos Seo Jorge. Não goza de nois, pobres mortais desse jeito.
Quando vosmecê cita tantos imortais, com tanta intimidade, faz "nois vê, qui a iguinorança é qui atravanca o progreço".

Anônimo disse...

Excelentes respostas para excelentes perguntas. Estão de parabéns tanto o entrevistado quanto o entrevistador, assim como o blog Pimenta na Muqueca. Este veio, sem dúvida, para ficar, para somar e, por que não dizer, para MUDAR.

Anônimo disse...

Mudar?... Esse povo é Geraldista.