01 abril 2007

Ana Teresa

Gerônimo de Oxossi*

Ali estava Ana com o semblante sofrido que todos os seus amigos conheciam. Não tinha a serenidade dos que trazem leveza na alma, mas a dor visível dos que carregam um fardo pesado pela vida. Uma dor resignada.

À primeira vista, parecia uma mulher rancorosa, arredia. Não era. Quem se dispusesse a desvendá-la encontraria uma alma generosa, uma pessoa pronta a ouvir e a ajudar. Sempre disposta a se tornar melhor amiga de quem acabara de conhecer.

Ana era assim. Não guardava raiva, embora o rosto trouxesse a marca das tantas amarguras de sua vida sofrida.

Basta uma história para se perceber o extraordinário caráter dessa mulher, um episódio que me foi narrado por Pai Caló. O velho sábio não se surpreendia com quase nada, mas uma das coisas que o intrigava era o espírito de Ana Teresa Bernardina.

Há dez anos, o marido de Ana foi internado com uma doença gravíssima no aparelho digestivo. Os parentes diziam que ele estava com um “nó nas tripas” e o médico que o atendeu no Calixto Midlej fez um prognóstico desanimador. Ronaldo, o marido de Ana, teria nada mais que dez por cento de chance de sobreviver.

Os parentes se desesperaram, o pai de Ronaldo desmaiou na frente do médico, mas Ana conteve o seu sofrimento e reservou força para consolar a todos. Não parecia, mas ela também estava desesperada, caso contrário não seria capaz de fazer o que fez.

Ana encontrou-se com sua irmã mais nova e esta resolveu apresentá-la a Pai Caló. O babalorixá as recebeu no terreiro e logo deixou claro que estava ciente do assunto. Disse que o caso era realmente grave, mas tinha solução. Olhou fundo nos olhos de Ana e decretou:

– Minha filha, você terá que fazer uma cortesia a Iansã.

Professora de catequese e católica devotada, Ana quis resistir à idéia, mas foi demovida pela irmã, assídua freqüentadora do terreiro de Pai Caló. A certeza da irmã quanto aos poderes do velho a convenceu. Na noite de 4 de dezembro, Ana dançou no terreiro, na festa de Iansã.

Em Salvador, para onde havia sido transferido em uma UTI aérea, Ronaldo se recuperava, sem saber dos sacrifícios aos quais a mulher havia se sujeitado. Ana estava ao pé do leito, quando o marido a chamou e entregou-lhe um papel.

– Por favor, ligue para esse número e diga que estou bem – pediu Ronaldo. Ana pegou o número e foi direto ao telefone. Do outro lado, uma voz feminina atendeu e demonstrou alívio com a informação recebida.

Três meses depois, Ronaldo foi morar com a amante, de cuja existência Ana já sabia muito antes dele adoecer, carregando calada o seu sofrimento. Passou a criar sozinha os três filhos, sem mágoa do marido. E ela já disse que, se fosse preciso, faria tudo novamente por ele.


* Gerônimo de Oxossi escreve para o blog aos domingos.

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