27 maio 2007

Ela mandou prender o 'bando' da Gautama

Eliana Calmon: quem é essa mulher?

Vitor Hugo Soares
vitors.h@uol.com.br

Ela raramente aparece nos perfis produzidos pelos diários, revistas e noticiários da TV e blogs envolvidos na cobertura da chamada Operação Navalha. Movimenta-se, como se espera de um magistrado, com discrição, firmeza e o indispensável conhecimento da lei e do processo. Virtudes raras no terreno minado em que vicejam nulidades, intrigas, egos inflados, vaidades escancaradas – além de atitudes suspeitas ou abertamente indignas como se tem visto nas últimas semanas. Seu nome: Eliana Calmon Alves. Seu posto: ministra do Superior Tribunal de Justiça.

Primeira brasileira a ingressar em um Tribunal Superior do País na condição de ministro, ela é peça fundamental na apuração deste megaescândalo que desnuda, paulatinamente, uma das mais predatórias redes de figurões de colarinho-branco já tecidas no País, especializada em corromper pessoas e fraudar licitações de obras públicas. Enquanto Eliana interroga gente com evidente culpa no cartório, manda a Polícia Federal prender suspeitos e acumula provas e mais indícios, cresce uma curiosidade: Quem é essa mulher?”

Como na canção de Joyce e Ana Terra, que a voz de Elis Regina consagrou, esta questão não comporta uma resposta ligeira ou simplificada, a exemplo do que se vê e escuta aqui e ali. A ministra Eliana não é uma unanimidade, como se percebe em depoimentos destes últimos dias. Nem ela acalenta o tipo de pretensão que Nelson Rodrigues considerava burrice. A ministra do STJ tem futucado ariranhas em terreno pantanoso e regado com “mimos” e afagos mais valiosos que gravatas de grife ou uísque envelhecido em barris de carvalho.

Fui contemporâneo de Eliana Calmon na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia. Corriam os anos 60, tão agitados politicamente, quanto abundantes em aprendizado e cultura. Vi de perto os passos acadêmicos dessa mulher. Ela, destacada aluna no meio de uma turma brilhante. Na sala ao lado, eu cursava uma série antes da dela, até ser arrancado da faculdade um ano antes de receber o diploma pelo arbítrio do AI-5; matrícula cassada juntamente com mais de duas dezenas de estudantes da Ufba e levado para um Quartel do Exército na Bahia por agentes da PF de amargas recordações. Formado mais tarde em jornalismo, continuei seguindo a trajetória daquela que no ano passado recebeu o título de “jurista mais competente do Brasil”, em pesquisa da Forbes, publicação de prestígio e credibilidade internacional.

Não dá para passar batido diante de algumas agressões, quase insultos, atirados contra quem desencadeou a Operação Navalha, de tantos e tão cavernosos desdobramentos. Ainda mais se as arengas e subentendidos tentam desqualificar a ministra exatamente no campo onde ela mais reluz entre seus pares: conhecimento jurídico e competência no encaminhamento dos processos. Pior ainda quando os tiros partem de figuras do próprio Poder Judiciário, a exemplo do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes. Mesmo que sob pretexto de justificar decisão de soltar presos cuja detenção foi legalmente autorizada pela ministra para evitar fugas, ocultação de indícios ou incêndios de provas, ainda mais em vésperas dos festejos juninos no Nordeste.

Vi a ministra do STJ em Salvador há exatamente dois meses, em circunstância memorável para a Justiça baiana e nacional. Eliana fez um discurso emocionado de confiança nos bons juízes, na posse da desembargadora Sara Silva de Brito como membro efetivo do Tribunal de Justiça da Bahia. “Este é um dia especial para a Justiça baiana e para uma geração”, disse a ministra ao saudar Sara, ex-perseguida política e figura da linha de frente da resistência ao arbítrio nos anos 60 na Bahia, que alcançava, por merecimento, o Pleno do TJB.

Sara é viúva de Pedro Milton de Brito, ex-presidente da seccional da OAB e fez história na advocacia baiana pelo elevado saber jurídico e a competência de suas petições em defesa de perseguidos nos foruns jurídicos e no Conselho Federal da Ordem: “Grande advogado e amigo”, disse a ministra. “Sara e Pedro Milton atravessaram dificuldades quase intransponíveis e, hoje, vejo que a luta valeu a pena. Eles não deram apenas o exemplo, mas ensinaram uma lição”, acrescentou, enquanto o auditório do TJB, completamente lotado, aplaudia de pé. A mesma lição que essa mulher chamada Eliana Calmon segue ensinando aos que ainda acreditam que o País tem jeito e a esperança não está perdida.

Vitor Hugo Soares é jornalista, editor de Opinião do jornal A TARDE. vitors.h@uol.com.br

Artigo publicado originalmente no Blog do Noblat.

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