Sísifo no cacau
O cacau prossegue imerso no seu eterno tormento pendular. Quando não é o movimento cíclico das incertezas do mercado, variando entre longos períodos de baixa e escassas altas de preços, sobrevêm castigos climáticos, com incidências de falta e excesso de chuvas em momentos impróprios à saúde da lavoura.
Agora mesmo, na época do chamado temporão, os produtores revivem no trópico o seu mito de Sísifo particular: condenados a carregar, a cada ano, nos ombros, ladeira acima, a enorme pedra de suas frustrações, não têm recursos para pagar os custos de produção e a folha de trabalhadores.
Por isso mesmo, pela falta de cacau, numa região que comporta 90 municípios, segundo as contas da Amurc (Associação dos Municípios da Região Cacaueira), muitos deles estão à beira de sucumbir, com situações comoventes, como a de Uruçuca, pioneira do primeiro campo de experimentação ligado à cultura do cacau no Brasil e inspiração da futura Ceplac (Comissão de Recuperação da Lavoura Cacaueira).
Depois de brava luta pela emancipação, que durou 20 anos (1933-1953), como prêmio a seu progresso e perseverança no cultivo do cacau, Uruçuca alcançou a independência, deixando de ser distrito de Ilhéus, jugo que vinha da segunda metade do século XIX, e se tornando um vitorioso governo subnacional.
Pois bem, em situação que se assemelha à de outros municípios, como Itabuna e Camacan, mas sem a vitalidade comercial destes, corre agora o risco de voltar à humilhante condição de distrito, já que teve sua população reduzida a quase metade, ante acelerada diminuição de atividades e serviços, por força do êxodo rural.
Com o governo estadual há décadas de mãos atadas ante o problema, as maiores queixas da região se dirigem ao governo federal, onde o entra-e-sai de ministros da Agricultura (três em quatro anos) desfralda um congestionado palco de atores, cuja excelência de desempenho, em relação às agruras do cacau, mereceria prêmios por alta média em matéria de indiferença, descaso, lentidão e soberba.
Em face desse quadro, o drama da região cacaueira eterniza-se num cenário de desilusão e lamúrias. Sísifos telúricos endividados, os produtores de cacau estão hoje no meio do penhasco, sem poder largar a pedra e sem ter quem os socorra. E não é castigo nem obra de Zeus.
Editorial, A Tarde
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