Cristina, a presidenta, e Ellen, a presidente!
Eduardo Martins
Notícia publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, em 29 de janeiro, deu conta de que, 45 dias depois da posse de Cristina Kirchner na chefia do governo argentino, mais de 300 documentos enviados à Casa Rosada haviam sido devolvidos aos remetentes. A razão: a correspondência era destinada à “presidente” Cristina Kirchner, e não à “presidenta”, como ela faz questão de ser chamada.
Segundo lembrou o correspondente do Estadão em Buenos Aires, Ariel Palácios, no comício de lançamento de sua campanha, em julho, Cristina proclamou: “Presidenta! Comecem a se acostumar. Presidentaaa... e não presidente!”. Bem, a presidente(a) argentina pode fazer exigências para firmar seu prestígio como governante, mas, do ponto de vista da linguagem, qualquer uma das duas formas se aplica à mulher que dirige um país, uma comissão ou outro órgão, já que o dicionário da Academia de Letras da Espanha referenda as duas possibilidades.
E, no Brasil, como proceder? Da mesma maneira, uma vez que os principais dicionários da língua portuguesa, além do Vocabulário Ortográfico, da Academia Brasileira de Letras, consagram a presença, no idioma, tanto de presidente como de presidenta. Existe, no entanto, uma preferência inequívoca no país por não flexionar a palavra.
Por isso, a imprensa brasileira, na quase totalidade, menciona a presidente Cristina Kirchner assim como se refere, há anos, à presidente (e não presidenta) do Supremo Tribunal Federal, Ellen Gracie Northfleet. Evita-se, em geral, a flexão a presidenta pelo seu caráter coloquial e algo depreciativo, o que não ocorre com a presidente, mais formal.
Essa restrição, no entanto, não impediu um grande escritor português, Antônio Feliciano de Castilho, de ter escrito: “Mais gratidão lhe devo, imortal presidenta”.
Neste mês em que se comemora o Dia Internacional da Mulher, vale recordar que, até 40 anos atrás, as mulheres nem sempre tinham direito à flexão do nome do cargo que desempenhavam. Indira Gandhi, por exemplo, chefiou o governo da Índia de 1966 a 1977 e por anos foi chamada, em jornais e revistas, de a primeiro-ministro. Só nos últimos tempos passou a ser tratada como a primeira-ministra indiana.
Em 1979, Eunice Michiles, do Amazonas, se tornou a primeira mulher a ocupar uma cadeira no Senado brasileiro, e a dúvida foi de outra natureza: ela seria senadora ou senatriz? Mesmo que o vernáculo recomendasse a segunda opção, Eunice Michiles, como senadora, abriu caminho para que Roseana Sarney e Heloísa Helena recebessem, anos depois, a mesma denominação.
Uma recomendação final: por se tratar de questão aberta no idioma, ainda convém evitar femininos muito polêmicos, mesmo que sancionados pelos livros de referência. Para diversos deles, pode-se (ou deve-se) usar chefa, membra, hóspeda, ídola e oficiala. Pode-se, claro, mas haja coragem! ©
Um comentário:
Acho fundamental que a palavra seja flexionada, o jornalista autor do texto encerra dizendo;" haja coragem" acrescento ainda atitude. A primeira para assumirmos
até onde o machismo interfere e a segunda(atitude), para reconhecer- mos nossa culpa e revertermos a situação.
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