19 agosto 2006

Artigo

Posto abaixo o artigo do jornalista Ricardo Ribeiro, publicado no BLOG Entrelinhas (www.olhonolide.blogspot.com):

Invasão de privacidade

O vai-vem de trens e ônibus, quase sempre lotados, costuma permitir a ação nefasta de libidinosos aproveitadores. Mulheres, geralmente, sofrem com os abusos e o desrespeito, sem poder reagir, mas uma amiga, certa vez, sentada no ônibus, percebeu que um passageiro encostava as partes baixas em seu braço. Não titubeou. Pegou um lápis de ponta ameaçadora e o usou como lança em posição de defesa. O canalha teve o que mereceu e recolheu-se ao lugar devido.

Essas investidas sem decência ocorrem em todo o mundo. Preocupadas com tal situação, as autoridades de Tóquio determinaram a disposição de vagões separados para homens e mulheres. O mesmo ocorre em São Paulo, onde os trens circulam tão cheios, que existem passageiros que preferem viajar no teto da composição.

O pior é que, agora, a tecnologia virou aliada dos violadores da intimidade alheia. Não é só no orkut e fotoblogs que o sagrado direito à privacidade é conspurcado. Celulares de 300 reais também servem ao mesmo objetivo, graças às suas câmeras fotográficas embutidas. Semana passada, nos Estados Unidos, um elemento foi grampeado por aproveitar-se de mulheres distraídas e fotografá-las com o celular, estrategicamente posicionado por debaixo das saias das coitadas.

Muita gente anda hoje com uma câmera na mão e idéias terríveis na cabeça. Fotos criminosas podem facilmente ser divulgadas na internet, onde ganham o mundo em poucos minutos. A tecnologia desconhece fronteiras entre certo e errado, permitido e proibido. E está aí, facilmente disponível, mais democrática do que nunca.

Mas, voltando ao vuco-vuco no transporte coletivo, ocorre lembrar-me do caso de um amigo. Estava ele num ônibus, na orla de Salvador, imediações de Patamares. Ia em pé, o veículo transbordando de gente, mas ainda assim o motorista parou para um negro de um metro e oitenta, forte e robusto como um tanque.

Indiferente aos inevitáveis protestos dos outros passageiros, o homem ia se esgueirando para achar caminho pelo corredor do ônibus. Vinha com uma sunga minúscula, molhado, provavelmente acabara de sair da praia. O contato era indesejado e não solicitado, mas inevitável. Lá ia o cidadão, esfregando suas impropriedades na região glútea dos desavisados e também dos avisados, porque, enquanto passava, ia anunciando com sua voz de cantor da Timbalada: “ó minha porra!”.

Meu bom amigo, apoiado na barra de ferro no alto do ônibus, compulsoriamente imóvel, ficou agoniado, só esperando a vez de ser carimbado. Era como um animal indefeso, à espera do predador, que seguia rebolando entre os passageiros e proclamando com voz empostada e uma cruel solenidade: “ó minha porra!”.

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