Os políticos estão nus. Viva Fernando Rodrigues
UOL
Estréia no UOL "Políticos do Brasil"
CRIS GUTKOSKI
Editora do UOL Eleições
Site traz banco de dados com declarações de bens de políticos eleitos em 98 e 2002 e candidatos em 2006
Em 1998, quando concorria a outro cargo, um candidato a presidente em 2006 não registrou qualquer conta bancária na sua declaração de bens, ainda que já ostentasse, à época, mais de 20 anos de vida pública. Cassado e tornado inelegível nos anos 90, um agora aspirante à Câmara dos Deputados se elege vereador em outubro de 2004 e em junho de 2005 adquire um apartamento numa cidade turística famosa pelas baixas temperaturas, no mesmo condomínio onde possui outro apartamento. Um ex-prefeito que se elegeu e reelegeu deputado estadual declara em 2006 possuir um patrimônio menor do que em 1998, quando era empresário. Detalhe: dispõe de R$ 95.000,00 "em espécie", segundo a lacônica lista enviada este ano à Justiça Eleitoral.
O site Políticos do Brasil (www.politicosdobrasil.com.br), no UOL, resultado de uma vasta pesquisa realizada pelo jornalista Fernando Rodrigues ao longo de cinco anos, coloca à disposição do internauta um banco de dados que muitos políticos preferem ver inacessível. São milhares de declarações de bens dos candidatos majoritários e proporcionais de 1998, 2002 e 2006, acompanhadas de informações como o número do CPF dos políticos, seus gastos declarados nas campanhas de 1998 e 2002 e suas estimativas de gastos para 2006.
No total, há informações (de todos os Estados e do Distrito Federal) sobre 2.177 candidaturas de 1998, sobre 2.376 nomes que concorreram em 2002 e sobre 20.134 candidatos que estão disputando a eleição de outubro próximo, nos cargos de presidente, vice-presidente, governador, vice-governador, senador, suplentes de senador, deputado federal, estadual e distrital. A publicação dos dados privilegiou os candidatos eleitos em 1998 e 2002, incluindo os nomes dos políticos derrotados apenas nos cargos de presidente, vice-presidente, governador e senador.
Acesso difícil nos Estados
Fernando Rodrigues apresenta dados inéditos, obtidos nos Tribunais Regionais Eleitorais e no Tribunal Superior Eleitoral, em 3.570 registros sobre o patrimônio declarado de candidatos eleitos, para todos os cargos, em 1998 e 2002. Para a eleição de 2006, por exemplo, o site do TSE disponibiliza desde julho as informações sobre os bens dos políticos em campanha e suas previsões de gastos. Mas o acesso aos documentos dos pleitos anteriores, apesar de público, era mais difícil. Não foram poucas as dificuldades enfrentadas pelo jornalista e pesquisador junto aos tribunais regionais. Um desembargador chegou a sugerir que, para a pesquisa avançar, todos os políticos eleitos no Estado, naquele ano, precisariam autorizar a divulgação dos dados. Outro tribunal promoveu uma sessão para votar se permitia ou não a publicação das informações que o próprio TSE declara de caráter público. A sessão acabou vetando o acesso, com base em excêntricos questionamentos sobre a identidade e os poderes do jornalista.
Vencidos os empecilhos como a falta de informatização e mesmo de regras claras, o banco de dados Políticos do Brasil está agora disponível num site de grande audiência. Com a seqüência de três eleições na mão, o eleitor pode fazer por conta própria, acessando no site os fac-similes das declarações de bens, a avaliação de como evoluíram os patrimônios dos candidatos nos últimos oito anos.
Para o jornalista, que é colunista do UOL desde 2000, o conhecimento de informações como o patrimônio declarado e o CPF do candidato é um direito do eleitor, e esta radiografia da vida política brasileira contribui para a transparência do processo eleitoral no país. "Pela primeira vez, os eleitores e estudiosos terão acesso facilitado à informação dessa natureza sobre os políticos escolhidos para comandar o Brasil", afirma.
Rodrigues considera o conhecimento do CPF (Cadastro da Pessoa Física) do candidato uma ferramenta relevante para a hora de definir o voto. "Sabendo esse número, que não é sigiloso, apenas difícil de ser obtido, o eleitor pode checar a situação dos candidatos a cargos públicos junto à Receita Federal e outros órgãos governamentais", ele sublinha, ressaltando que pendências na situação fiscal nem sempre são sinônimo de irregularidade.
Quatro modalidades de busca
Aos interessados em investigar a vida do provável candidato escolhido em 2006, ou em descobrir mais sobre os homens e mulheres merecedores de voto em 1998 e 2002, o site Políticos do Brasil oferece quatro modalidades de busca. Dá para procurar os nomes por ordem alfabética, por partido, por unidade da Federação e por cargo disputado. As quatro buscas são válidas para os anos de 1998, 2002 e 2006.
Bastam alguns minutos de cruzamento de dados - comece a busca pelos políticos que circulam no seu bairro, ou pelos mais famosos, ou pelos mais importantes - e as curiosidades ou estranhezas começam a se acumular. Há concorrentes a cargos majoritários com décadas de vida pública que aparentemente ainda não conseguiram adquirir a casa própria, a ser levada a sério a declaração oficial de bens. Em contrapartida, há também os donos de diversos imóveis, adquiridos em quatro ou oito anos. E há os que adaptam o valor dos bens a cada eleição.
Um ex-ministro que já foi deputado federal, por exemplo, reduziu o valor da mesma casa, no mesmo endereço, de R$ 80.000,00 em 1998 para R$ 54. 651,83 na declaração deste ano. Múltiplos fatores podem ter contribuído para a mudança que, apenas nesse item, subtraiu cerca de R$ 25.000,00 do patrimônio. Um incêndio, uma súbita desvalorização do bairro por conta da violência crescente nas cidades, mesmo um sismo no jardim pode ter abalado as estruturas da casa e desvalorizado o imóvel. Não se pode culpar os políticos brasileiros pela falta de incentivo à imaginação do eleitor.
A Lei Eleitoral não obriga os candidatos a atualizarem o valor de seus imóveis segundo os movimentos do mercado. O exemplo dado por um dos atuais candidatos a presidente, que desde 1998 aproxima o preço de seu apartamento ao divulgado pelas imobiliárias, é uma exceção à regra. A maioria prefere manter o antigo valor fiscal dos bens. Mansões ou coberturas dúplex com piscina em bairros nobres de capitais surgem nessas declarações de bens de 2006 como se equivalessem a um apartamento quarto-e-sala. Mas o eleitor sempre pode indagar por que interessa a alguns políticos ocultar a própria identidade, considerando que entre as identidades possíveis da vida pública está a de milionário. O perfil dos candidatos mais ricos merece a análise de Fernando Rodrigues no livro "Políticos do Brasil" (Publifolha, 424 páginas, R$ 39,90), que chega às livrarias juntamente com o lançamento do site.
O livro
A pesquisa do jornalista revela a concentração da riqueza também no meio político. Em 1998, entre os eleitos, 273 declararam possuir patrimônio superior a R$ 1 milhão. Apenas 18 políticos (1% do total) concentravam R$ 663 milhões de bens pessoais declarados, ou 38% do patrimônio total dos 1.780 eleitos naquele pleito. Fernando Rodrigues verifica que, quatro anos depois, a concentração que já era grande se acentuou: em 2002, os 18 políticos mais ricos (1%) passaram a abarcar 50% do patrimônio total dos eleitos.
"Políticos do Brasil", o livro, se divide em seis capítulos: 1) Coleta de dados, metodologia e histórico de estudos correlatos; 2) O patrimônio dos políticos e sua evolução; 3) Os políticos e sua riqueza; 4) Perfil dos políticos do Brasil; 5) Os milionários e 6) A "classe média" entre os políticos e um caso para estudo (o "mensalão"). Os apêndices reproduzem tabelas utilizadas nas análises, com os nomes de todos os candidatos eleitos em 1998 e 2002, com cargo, partido, Estado, votação obtida e número do CPF.
No prefácio, Leôncio Martins Rodrigues, ex-professor da USP (Universidade de São Paulo) e da Unicamp (Universidade de Campinas), escreve que a democracia decorre do grau de vigilância que os governados possam exercer sobre os que governam: "O controle do poder dos que têm o poder implica iluminar as áreas que todos os governantes preferem manter na obscuridade".
O autor da pesquisa que a partir de agora servirá de ponto de partida para várias outras pesquisas destaca uma frase de que gosta muito, promovida a epígrafe do volume: "A luz do Sul é o melhor desinfetante", do juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos Louis Brandeis. Em tempos sombrios de denúncias de corrupção e desapontamentos de variada espécie, o histórico das despesas e das aquisições privadas que se sucedem às eleições serve como uma arma pacífica, de acesso doméstico, uma providencial lente de aumento para enxergar melhor as teclas da urna.
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