CARTAS DE ESTOCOLMO
Etanol, combustível sujo?
Sandra Paulsen
É com tristeza que leio num jornal local de negócios a manchete: "O combustível ambiental sujo". A reportagem, publicada hoje, apresenta um retrato horroroso da produção de etanol no Brasil. O jornalista viajou ao Nordeste e a São Paulo para fotografar o combustível "verde" mais comum na Suécia, e o resultado da sua visita não é dos melhores para nossa imagem no exterior.
Primeiro ele apresenta uma usina de etanol em Piracicaba e destaca que funciona à base de carvão. A fotografia que acompanha a reportagem, tirada no local, a pouco mais de 100 km da capital paulista, mostra colunas de fumaça escura subindo em direção a um céu não menos cinza e escuro.
Depois se discute o problema que mais aparece na imprensa local quando se fala do etanol: as condições de trabalho nos canaviais e a vexaminosa vulnerabilidade dos trabalhadores em termos de saúde e habitação.
Em terceiro lugar aparece o outro fantasma que ronda o etanol brasileiro aqui: a transferência de produção agrícola para a Amazônia, com a conseqüente destruição da floresta.
Na falta de discussões como a da CPMF ou de problemas como os do nosso Senado Federal, a emissão de CO2 é assunto do momento por aqui. E um combustível contaminante, cuja produção emite gases do efeito estufa, e que ainda por cima ameaça a preservação da floresta... decididamente não vende como pãozinho quente aqui não!
O transporte na Suécia utiliza cerca de 350 mlhões de litros de etanol por ano. Uns 250 milhões de litros são misturados à gasolina e o resto é utilizado sob o nome de E85, diretamente em carros e ônibus movidos a álcool. A maior parte desse combustível (80%) é importada, e do total importado o Brasil tem a parte do leão (entre 60 e 70%).
Para este ano, com o subsídio governamental à compra de automóveis "ambientais", ou seja, que usam combustível de fonte renovável de energia, espera-se que aumente em 40% a demanda local por etanol E85.
Mas a OECD (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos) já recomendou que, em lugar de usar subsídios à bioenergia ou de incentivar a compra de automóveis movidos a álcool, dever-se-ia fazer uso mais extensivo dos impostos às emissões de CO2.
A importação de etanol pela Suécia é só uma pequena parte dos bilhões de litros de álcool que o Brasil produz todo ano. Mas será que vale a pena desperdiçar a demanda sueca e talvez aquela representada por toda a União Européia?
Para poder continuar exportando e aumentar suas vendas, o Brasil deveria certamente tratar com maior carinho de questões como biodiversidade, ecossistemas florestais e condições de vida dos trabalhadores da cana.
Sandra Paulsen, casada, mãe de dois filhos, é baiana de Itabuna. Fez mestrado em Economia na UnB. Morou em Santiago do Chile nos anos 90. Vive há oito anos em Estocolmo, onde concluiu doutorado em Economia Ambiental.
Extraído do Noblat
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