16 dezembro 2007

O tapa

Karol Vital

Paixão de criança é uma coisa engraçada. Quem nunca teve um namoradinho ou namoradinha para ficar andando de mãos dadas, brincar juntos, dividir o lanche ou assistir desenhos. Estou falando do amor inocente, quando o fato de apenas achar bonito ou bonita já serve para dizer que, quando crescer, vai casar com aquela pessoa.

Quando eu estava na pré-escola, era apaixonada por um menino. Ele era uma gracinha e também uma peste. Eu suspirava por ele, procurava sempre sentar junto, mas ele nem aí para mim. Cada vez que falava comigo, meu coração vibrava e meu dia estava ganho. Eu me sentia o Charlie Brown, que não tinha coragem de se declarar para sua Garotinha Ruiva.

Certa manhã, na hora do recreio, tomei coragem e fui chamar o meu amado para brincar.

- Quer brincar de casinha com a gente? – perguntei, timidamente, apontando para o grupinho reunido.

Ele, sem que nem pra que, não gostou do convite e me deu um tapa no rosto, daqueles de estalar e deixar a marca dos dedos.

- Brincar de casinha? Eu não sou bicha! – respondeu com raiva.

Minha reação foi ficar parada, assustada. Não chorei por vergonha. Sentei no meu canto, cabisbaixa, refletindo sobre o que eu havia feito para merecer tamanha patada. A paixão acabou naquele momento. Pensei em devolver a bofetada, mas optei por deixar o tempo dar a resposta.

O tempo passou, a minha ex-paixão mudou de escola e nunca mais vi o troglodita. Tomei abuso da cara dele de tamanha forma que, mesmo dez anos depois não fazia questão de lhe dirigir a palavra. Passava por ele como um desconhecido. Apesar de já ter consciência que criança é inconseqüente, não conseguia perdoar aquela agressão gratuita. Precisava de uma vingança.

Certa manhã, estava esperando um ônibus num ponto lotado. Perto dali havia um grupo de pingunços inveterados. De repente, ouvi uma gritaria vinda turma da “meiota”.

- O que é você quer, rapaz? Maconha? – gritou um bêbado escandaloso.

Todos que estavam esperando pelo ônibus voltaram seus olhos para a confusão. Pude ver que, perto dos cachaceiros, havia dois rapazes bem arrumados, já se afastando.

- Eu sei lá onde é que vende maconha. Meu negócio é cachaça! – completou o meioteiro, aos berros.

Os dois rapazes fugiram do bebum barulhento. Andavam rápido, com as cabeças baixas. O povo do ponto de ônibus começou a rir da cena. Como não havia outro caminho a seguir, os playboys maconheiros foram obrigados a passar pela frente das pessoas. Foi quando reconheci um deles.


Era o garotinho que havia me dado aquele tapa na pré-escola.

- É você que está aqui, hein? – perguntei, ironicamente.

Ele não me respondeu, mas o seu rosto parecia que pegaria fogo. As bochechas estavam iguais a dois pirulitos de morango gigantes.

Ele fez um lado do meu rosto ficar vermelho. Eu fiz os dois lados dele ficarem como brasas. Naquele momento, senti-me vingada.

Karol Vital é comunicóloga.

3 comentários:

Anônimo disse...

Zelão Pede: - Quero Morrer Seu Amigo!

Por detrás da imagem angelical, a bela menina Karol, nos revela agora, que é capaz de alimentar o sentimento do ódio por muito tempo, para depois dele alimentar-se em pequenas porções, como a afirmar de que; a vingança é prato que se come frio.

Anônimo disse...

Karol:

Gosto muito do que você escreve e a leio com frequência e até com sofreguidão.
Esta sua crônica, no entanto, você deveria ter lido, relido e, usando uma linguagem atual, deletado da sua linda cabecinha.
A crônica, além de politicamente incorreta, nada acrescenta a você nem aos seus muitos leitores.
Um beijão.

ATÔNITO

Anônimo disse...

Karol,

Devemos sempre alimentar (por toda a vida e não só por anos...)o que é bom, verdadeiro, sincero e principalmente o que não só nos eleva mas principalmente eleva a todos que veem, ouvem e leem...
Tenho certeza que (sei que é sensível, ponderada e racional) essa será a última, de uma nova série de primeiras, de uma nova etapa de vida, vida com abundancia...
Abraços sinceros,
AMIZADE