O Vaso se partiu, o Perfume exalou-se, Meu Pai se Foi...
Marcos Bispo Santos
“Painho vai morar aí dentro deste buraco?” (...) Foi esta a pergunta que fez minha pequena irmã, Maria Antônia, a mais nova das filhas deixadas por meu Pai, de apenas cinco anos de idade, uma das duas crianças, filhas dele, e que estiveram ao seu lado até os últimos dias.
Um dos meus irmãos mais velhos, emocionado e sem ter tempo de pensar na pergunta da pequena Maria Antônia, respondeu-lhe que sim, meu Pai ficaria ali. Eu também vinha de mais de 24 horas sem dormir e de muita tensão e questionamentos, mas não me conformei com a resposta, porque cremos na Vida pós-morte e porque, como Educador, precisava dar um conforto à minha pequena irmã. Criei então, ali mesmo, inspirado em tudo o que já li e vivi, a Metáfora do Perfume.
Falei alto, mais pausadamente, para que todas/os escutassem, ainda que fitasse Maria Antônia: Não, Maria! Painho não ficará aí neste lugar. As pessoas são como Vasos de Perfume. O vaso é o corpo. O Perfume é a Vida de cada um. Quando seu perfume acaba, é o vaso que você enterra, não o perfume. O perfume foi para outro lugar e também ficou na gente. E é por isso que o que conta no Perfume não são o tamanho, nem o formato do vaso, isso é o que está por fora. O que conta é o Perfume, seu cheiro, sua qualidade. Daí termos perfumes muito bons em vasos pequeninos ou até em vasos “feios”. E vasos lindos, grandes, com perfumes horrorosos...
O nosso corpo é o vaso, nossa personalidade e ações, o Perfume. Passamos a vida à procura de belos vasos e desprezando os belos perfumes. Mas o Criador só quer de volta o Perfume e não o vaso. E Ele, assim como nós, só se permite sentir um perfume ruim uma única vez. Só os bons Perfumes continuarão a ter outras oportunidades na Vida...
Meu Pai, Alfredo Antonio dos Santos se foi. Mas eu devia a ele este último texto. Isto porque, mesmo não sendo um belo vaso, tenho um Perfume diferente, apropriado para olfatos atentos e especiais. Denunciarei mais uma vez o descaso da Saúde Pública no Brasil e diretamente o falido Hospital de Base de Itabuna, no sul da Bahia.
Meu Pai pediu que me chamasse no domingo, dia 02 de dezembro p.p.. Estava com dores fortes, não sabia direito se no local onde tinha feito uma cirurgia de hérnia ou se na próstata que ainda precisava operar. Levei-lhe ao Hospital de Base às 15h e lá fiquei com ele, esperando que o atendessem, até às 17h30min. Não houve um médico que se habilitasse a fazê-lo. Um enfermeiro, após muita reclamação, “diagnosticou” que o problema foi um entupimento na sonda e, possivelmente um esquecimento de tomar um dos comprimidos que lhe eram necessários para a regularização da próstata... Voltamos para casa.
Na 5ª. Feira, mal chegara de Pau Brasil e do Colégio Indígena, fui chamado à casa do meu irmão, onde ele se encontrara, porque ele estava a queixar-se outra vez de fortes dores no mesmo local. O cirurgião do Hospital de Base que o operou, estava de plantão neste dia. Esperamos até o meio-dia para que ele pudesse atender meu pai. Atendeu, deixou-lhe em observação, medicou-lhe analgésicos, mas não descobriu o que estava causando-lhe tantas dores. Chegou a afirmar para mim, que deveria ser a quantidade de remédios que estava a tomar, já que as dores eram notadamente na região do abdômen. Às 16h decidiu internar meu Pai na mesma enfermaria em que ele havia estado outras duas vezes, a B.
Voltei naquele mesmo dia às 18h50min, pouco antes de ir para a Escola Municipal Lourival Oliveira Soares, onde lecionaria naquela noite. Atrasei-me na ida para a Unidade de Ensino, porque fiquei um pouco mais com meu Pai, tentando consolá-lo. Ele se dizia um pouco melhor, mas ainda sentido as “tais” dores.
Levei-lhe um radinho FM/AM (esta última opção, exigência que fazia sempre que se internava), 2 shorts novos, um boné – pois o outro que foi em sua cabeça tinham deixado que ele perdesse durante o período em que ficou lá à tarde – um pijama, uma toalha de banho nova e o que mais iria precisar para um ou dois dias de internamento. Nada disso jamais foi encontrado no Hospital depois que o “perfume” se foi.
Na sexta-feira, estava concentrado em escrever o texto “Fim de Ano em Escola Pública, Natal e O Que Esperar de 2008”, para ler como mensagem final de Fim de Ano Letivo nas duas Escolas em que trabalho, conforme expliquei no próprio texto enviado a todas/os anteriormente. Por isso não atendia ao celular. Minha filha passou uma msg do seu aparelho: “Papai, vc está onde? Estamos tentando falar com o sr. mas ñ atendes. Roberta deixará Rafael e Maria aqui: Deus chamou Vovô”.
Consta do Atestado de Óbito. Causa da morte: Parada Cardíaca, Parada Cardio-Respiratória e Entroinfecção (...).
Marcos Bispo Santos é professor de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira da Rede Municipal de Itabuna(BA); e diretor do Colégio Estadual da Aldeia Indígena Caramuru Paraguaçu, em Pau Brasil, também na Bahia. Colaborador da Revista Viração.
4 comentários:
Marcos, bom dia!
Antes de qualquer coisa quero solidarizar-me com a sua dor e em seguida parabenizar-lhe pelo texto.
Sou técnico de enfermagem em um hospital da cidade vizinha, Ilhéus.
Sem querer justificar e ao mesmo tempo fazendo-o quero informar algo que a tv e o meios de imprensa no geral o fazem com tanto alarde.
A saúde brasileira carece de seriedade política, uma casa tem geralmente a cara de seu gestor e nossos gestores geralmente têm cara de pau. Acredite, existem inúmeros profissionais abnegados que têm lutado para melhorar a qualidade dos serviços de saúde na nossa região, infelizmente o lobby para que a coisa fique como está é imenso.
Não quero aqui tentar estabelecer culpados por esta situação tão nefasta, mas, sabemos que a desordem está na saúde assim como na educação, segurança e em quase toda a prestação de serviços públicos. Vale ressaltar que há pouco tempo só tinha cerca elétrica em casa pessoas muito ricas e agora....
Mas, dizem que tudo tem um propósito e infelizmente para você e felizmente para nós, seu sofrimento o fez partilhar conosco este belíssimo texto, que com certeza terei a oportunidade de utilizar no meu trabalho quando precisar confortar alguém, momento em que até agora eu ficava sem palavras.
Sinceramente espero poder usar esta sua narrativa para me dedicar cada vez mais a prestar o melhor cuidado que eu puder.
Meus pêsames e saiba que o perfume não exalou e está perfumando muito além do que você imaginou.
Exupério F. Santos
exuperiofarias@gmail.com
Sou técnico de enfermagem nas unidades de emergencia dos hospitais Geral Luiz Viana Filho e Bartolomeu Chaves, Conselheiro municipal de saúde e representante do SINDSAUDE-BA, isto tudo em Ilhéus-BA
Colega, meus sentimentos.
Suas palavras me fezem relembrar episódios ocorridos com meu pai, em hospitais públicos. Realmente, eles se foram mas nos ensinaram a ter dignidade e ser pessoas melhores, pelo menos tenatmos ser...SOMOS PROFESSORES e reconhecemos a beleza e o perfume que cada ser humano poderá exalar..
Lady
Caro Marcos,
Quero hipotecar meus sentimentos, que Deus acalente sua dor e de seus familiares. Infelizmente vivemos num país em que a saúde pública é para cuidar de poucos e enriquecer outros tantos, exemplos disso são o empresários-médicos que temos na região. Nesse momento só posso lhe deseja força, muita força.
Cláudio Rodrigues
Marcos: a dor da perda é intensa, fere fundo o corpo, a alma. Principalmente quando se dá nas circunstâncias que você descreve em seu pungente texto.
Mas tudo passa...
Pena que os políticos e as políticas públicas deste País sejam ruins e inservíveis na qualidade que todos almejamos na Saúde, Educação, Segurança...
Vamos continuar lutando! Quem sabe, outros se juntem ao nosso esforço. E, em vez de pêsamos, talvez tenhamos a solidariedade, que não se constrói apenas com votos em eleições, mas na desabrida coragem de exigir, reclamar, criticar...
A vida se cumpriu, com seu pai. Agora deixa que se cumpra com aqueles que ficaram e devem dar testemunho de que jamais esmorecerão ou ficarão reféns do medo e da insensibilidade, mas serão sempre guerreiros...
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