29 outubro 2007

O CACAU PÓS-MODERNO

Gustavo Atallah Haun

O cacau acabou. Já não há mais a menor possibilidade de retornar à mesma glória do passado plantando e colhendo o fruto do chocolate. Pelo menos não como antes. Agora, ele faz parte dos livros de história da região sul baiana, só não enxerga quem ainda quer se iludir e ter ocas esperanças.

Percorrendo a bela estrada Ilhéus-Itabuna percebemos que as árvores que outrora geraram muitas riquezas, rareiam, algumas ainda teimam aqui ou ali, mas os grandes pastos já se tornaram comuns na paisagem.

O sonho épico do desbravamento, da vinda de pessoas dos quatro cantos, dos jagunços e dos coronéis pode ser revivido nos livros de Jorge Amado, Adonias Filho, Ciro de Mattos ou Hélio Pólvora. Os poemas evocando as delícias dos cacauais viraram peças de museu, ancorados no estro de Valdelice Pinheiro, Telmo Padilha e tantos outros.

Duas lições belíssimas retiramos da nossa derrocada cacaueira: a primeira, que nunca devemos nos prender a uma só cultura agrícola. Nenhuma região do planeta sobreviveu sem diversificar, sem cultivar outras opções. A monocultura é a maior burrice do ser humano. A segunda, que é necessário ser humilde sempre. Ontem arrotávamos caviar, viajávamos para a Europa como quem ia tomar café na esquina, acendíamos charuto nas notas de dinheiro. Hoje, só resta a melancolia e as dívidas com os bancos, que podem não ser abatidas das contas dos devedores, pois não há solução em curto ou médio prazo para o problema.

A única saída para essa desgraça coletiva, assim como para qualquer outra da nossa vida, é a sublimação através da Arte, como bem pensava Arthur Schopenhauer (1788-1860). Aliás, se os nossos cacauicultores lessem o filósofo alemão, lá da Prússia, das duas uma: ou se suicidariam em massa ou alcançariam as respostas através dos artistas e suas representações.

E por isso devessem investir em Arte, formassem platéia, pensassem na possibilidade de, daqui para frente, ouvir uma boa música cantada com alma, e se transportar para um mundo em que é momentaneamente feliz. Ou perscrutar todas as idéias de um escrevente solitário que quer se expressar recriando, reinventando, reproduzindo situações em que vive ou imagina viver. Quem sabe se deliciando em frente a uma tela ou uma escultura, como se estivesse em um jardim belo e magnífico, ali encontrando a paz de espírito tão acalentada. Até mesmo assistindo a um espetáculo teatral e purgando os seus sentimentos e emoções numa catarse máxima das situações cotidianas em que experiencia. Talvez dançando e expulsando seus demônios interiores nas coreografias poéticas da criatividade.

Não seria de se estranhar que assim surgisse uma nova população grapiúna, mais rica culturalmente, mais politizada, que encontrasse soluções mais razoáveis para os seus problemas e fosse mais crítica em relação à existência. Quiçá, poderia até se ver nas telas dos cinemas, a sétima arte, mas sem ter que matar algum irmão ou parente por conta da sua fortuna material.

Sem pregar palavras ao vento, as grandes crises, como a do cacau, são momentos enriquecedores, para aqueles que têm consciência desperta para a sua própria elevação. Na felicidade e na abundância sequer nos lembramos do vizinho, esbanjamos e temos um rei na barriga. O orgulho é parceiro e a arrogância companheira inseparável.

Somos vazios porque achamos que temos o mundo. Já nas tempestades e tragédias somos coletivos, agimos com fraternidade e pensamos nos outros antes de nós mesmos. Tiramos o olho do próprio umbigo, porque agora necessitamos da força de todos, da experiência alheia. Dessa forma, a arte age com profundidade, com criatividade e com força incalculável.

Gustavo Atallah Haun é professor
*Texto também publicado no Diário de Ilhéus

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