Mendicância Sistemática
Karol Vital
karolinevital@gmail.com
Chega de “Eu podia estar matando, eu podia estar roubando”. Estamos na era da mendicância por bilhetinhos. E não são bilhetinhos ordinários, com caligrafia torta em papel amassado. São digitados, xerocados e plastificados! Melhores até que muitos cartões de visita. Bem feitos e duráveis para garantir muitas esmolas por tempo indeterminado. Os pedintes sistematizaram a esmolinha.
As súplicas são bem escritas, têm estilo! Certa vez, no ônibus, deparei-me com a seguinte: “Prezado amigo, sou deficiente mental e preciso da sua ajuda para sobreviver. Deus te ilumine”. Isto é uma aula de marketing! O cara mostra o produto, apela para o sentimental e ainda faz com que se sinta especial antes mesmo de contribuir. E, depois de entregar os cartões, ainda ratifica: “Qualquer dez centavos serve, porque o pouco com Deus é muito”.
Imagino o que muitas pessoas devem estar achando desta minha análise: coração de pedra, coitadinho do cara, deficiente, precisando comprar remédios, precisando da sua ajuda para sobreviver. Aí é que vem o mais engraçado. Depois de assistir ao pedido de caridade, a moça sentada ao meu lado resmungou algo, reprovando a ação do pedinte. Começamos a conversar sobre o fato do rapaz, visivelmente doente mental, receber o benefício do INSS e ainda sair por aí pedindo. E ela veio com a bomba:
- Esse aí tem família, já trabalhei na casa da tia dele. O povo só deixa ele com metade da aposentadoria. Gasta tudo com mulher. Ele mesmo ficava querendo coisa comigo, me oferecendo dinheiro. Pedi pra sair. Depois ele me atacava, e aí? Como consertar o malfeito?
Eu comecei a rir. Não da cara da mulher, mas da situação. O rapaz estava ali, no ônibus, complementando sua quota da luxúria. Afinal, o seu benefício estava sob administração de sua família, o resto, ele que se virasse. E se virou! Confeccionou seus bilhetinhos, pegou seu cartão de gratuidade – já que é deficiente e não paga passagem – e saiu por aí, garantindo os trocados para suas “coisinhas”.
- Eu saio do outro lado da cidade para ganhar meu salário mínimo e ele ganha o dele sem fazer nada e ainda se fazendo de vítima – completou a mulher revoltada.
Mas é isso mesmo, quem não chora não mama. No caso do nosso “Prezado Amigo”, o ditado se aplica literalmente. Porém ele não é o único pedinte que faz uso dos eficientes cartões de esmola. Inúmeros já passaram pelas minhas mãos, distribuídos acompanhados de olhares tristes e sussurros melancólicos.
* Karol Vital é comunicóloga
6 comentários:
Há determinados temas que as pessoas não ousam falar, por não ser politicamente correto. Se alguém ousa expressar opinião contrária,é imediatamente repelido. Você tocou num dos pontos que ninguém comenta - o benefício do INSS por doença mental, uma das maiorers indústrias para conseguir um salário mínimo sem fazer nada. Basta ir à audiência de interdição e depois ao perito e se fazer de mudo/surdo e desentendido. Para quem não acredita, faça uma pesquisa. Desde que foi criado o benefício, apareceu "doido" pelos quatros cantos do Brasil, em quantidade sempre crescente! Mas falar disso é errado - coitadinhos, são malucos (perdoem-se os que realmente são e cuja família precisa do benefício - até porque alguém tem de ficar em casa cuidando dessa pessoa). Maluco sou eu que ainda trabalho enquanto ganhar bolsa "qualquer coisa" e benefício "qualquer coisa" do governo é muito mais fácil e menos estressante.
Caramba, Karolzinha, você se superou! Adorei o artigo...e realmente os "falsos pedintes" estão acabando com as chances daqueles que realmente precisariam estar pedindo. Porque nós começamos a desconfiar de todos, e acabamos não ajudando nenhum. É um tema relevante, porém, difícil de ser discutido. Mas, vc jogou no ar....fez sua aprte..rs. Parabéns de novo! Desse jeito, os cronistas que se cuidem! Que Deus sempre te abençoe pra vc continuar com esse seu talento. Bjos.
De Nei Loja
Karol, vc é gênio escrevendo - por isto é tão interessante!
Gostei imensamente do texto e acho mais é que vc deveria ir juntando tudo para fazer um livro.
Talento não lhe falta, mesmo!
Super parabéns - vou ler sempre suas crônicas.
Eu preferia a época do "eu podia tá matando, eu podia tá robando..."
É uma tristeza constatar tudo isso, e ficar sem saber como reagir diante dos falsos pra não prejudicar os verdadeiramente necessitados.
Um xêro, amiga, adorei a abordagem!
Parabéns, Karol!
Adorei o texto: ele revela a sua perspicácia em falar de um assunto tão polêmico, sem deixar de ser leve e fluente.
Um grande beijo!
Karen.
Karol essa sua ausência de falso moralismo ta rendendo boas risadas e reflexões sobre os nossos dias atuais..continue assim !
parabéns !
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