20 fevereiro 2008

FIDEL

Daniel Thame

“A meus caros compatriotas, que me deram a imensa honra de me eleger, recentemente, como membro do Parlamento comunico que não desejarei nem aceitarei - repito - não desejarei nem aceitarei o cargo de Presidente do Conselho de Estado e Comandante Chefe”.

Foi com essas palavras que Fidel Castro Ruiz, um dos mais fascinantes personagens do século passado, encerrou oficialmente o seu ciclo de poder após cinco décadas no comando de Cuba, uma até então insignificante ilha do Caribe, inserida no mapa mundi por conta de uma revolução de antologia e das nuances da Guerra Fria, que punha frente a frente as duas mais poderosas e bem armadas potências do planeta: os Estados Unidos e a hoje esfacelada União Soviética.

Fidel Castro, que a partir de Sierra Maestra obteve uma improvável e por isso mesmo extraordinária vitória sobre o sangrento e corrupto ditador Fulgêncio Batista, soube capitalizar como poucos as tensões EUA-URSS, garantindo a sobrevivência de um regime comunista instalado praticamente nas costas da Flórida.

Cuba desempenhou o papel do Davi que desafia o Golias e, se não chega a derrotá-lo também não é vencida por ele. Não é pouca coisa diante do poderio deste Davi. Foram inúmeras as tentativas de eliminar Fidel e de derrubar o regime, envolvendo desde a CIA golpista até a Máfia bandida.

Todas elas fracassaram.

Fidel Castro, aos 81 anos de idade, abatido por uma doença que o afastou em 2006 do comando do Governo Cubano (função transferida a seu irmão Raul) deixa o poder voluntariamente, por absoluta incapacidade física e mental para liderar um país que, após a queda do Muro de Berlim e o fim do comunismo no Leste Europeu, enfrenta terríveis privações e mal consegue manter as conquistas que são pilares do regime, como a saúde e a educação.

Sem os dólares dos soviéticos, Cuba teve que se virar sozinha. Abriu (ou melhor, escancarou) as portas para o turismo, estabeleceu parcerias com investidores estrangeiros e fez vista grossa para a enxurrada de dólares enviada pelos furibundos cubanos de Miami, que não fazem outra coisa a não ser tramar a queda de Fidel.

Não houve queda, nem ruptura, apenas uma retirada estratégica. Fidel sai do poder, mas obviamente não sai de cena. Não será apenas uma figura decorativa num regime desfigurado.
Como ele mesmo disse na carta-renúncia, “o adversário a ser derrotado é muito forte. Não me despeço de vocês. Desejo apenas combater como um soldado das idéias”.

O soldado das idéias um dia foi o soldado das armas, o comandante, o chefe, o libertador e -por mais que se admire a epopéia de Sierra Maestra- o ditador que suprimiu as liberdades individuais em Cuba, sob o pretenso argumento de um governo popular e igualitário.
Fidel Castro, multifacetado, deus e diabo, redentor e opressor, gênio da estratégia e farsante embalado por um discurso messiânico.

A História, com o distanciamento necessário, um dia julgará a verdadeira dimensão do homem que atravessou a metade do século XX como protagonista e que encontrou seu ocaso num milênio que assiste aquilo que pode ser o início da decadência do Império que ele tanto combateu.
Fidel agoniza no momento em que o paraíso, farol e bezerro de ouro do capitalismo, os EUA, exibem pés-de-barro.

Talvez essa coincidência ensine que no mundo de hoje não há espaço para um homem centralizador como Fidel Castro.E nem para uma Nação, que a custa do poderio econômico/bélico subjuga todas as demais.

Fidel caminha para a penumbra, enquanto o Golias cambaleia, embora o alquebrado Davi caribenho não tenha nada a ver com isso.

É apenas (mais uma) trapaça do destino.

Opinião, Diário do Sul

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